quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Conto: Afterlife

Não quero dizer que me arrependo de trazer esse conteúdo para o blog, mas sim. Afterlife continua a história exatamente onde ela terminou em Deathmatch. Não é necessário ler nenhuma das duas, mas caso você não tenha absolutamente nada para fazer, arranje algo melhor antes de abrir esta postagem. Sério. Último aviso.

O texto original, escrito em inglês, tinha 2338 palavras. Conforme traduzia, tentava ajeitá-lo de forma a criar algo inteligível, mas não havia muito para ser salvo e, portanto, a nova contagem em 2288 palavras resulta num desperdício de bytes praticamente igual.

A minha intenção ao resgatar essas fanfics era de voltar a escrever, com uma meta de um conto por ano. Até esbocei alguns cenários para um terceiro conto, mas, para o bem de todos e para minha própria sanidade, talvez seja melhor que fiquem para sempre retidos em minha cabeça doentia.

Em uma anedota extremamente depreciativa, este conto, escrito originalmente 10 anos atrás, talvez esteja no mesmo nível do filme Resident Evil de 2010 que leva o mesmo subtítulo. Pode ser algo vinculado à palavra, ou, talvez, eu estava tão alto quanto a equipe da série. Pois bem, nunca saberemos...

[ * * * ]



Há poucos momentos, Lara sucumbiu à última armadilha de Sophia. Um túnel aquático subterrâneo conduzia a aventureira para um destino fatal. Após colidir inúmeras vezes nas estreitas passagens pelas quais a água escorria violentamente, Lara notou uma inescapável queda poucos metros à sua frente.

Sem qualquer superfície a seu alcance, para uma última manobra desesperada, Lara fechou os olhos e tentou se preparar mentalmente para o inevitável. Instintivamente abraçando suas pernas, assumindo uma posição fetal, ela sentiu a gravidade em ação. 

Durante quatro longos segundos, a realidade parecia suspensa. O outrora relaxante som de uma queda d'água pressagiava o impacto. Três metros abaixo da superfície, de alguma forma, seu pé esquerdo foi enredado por algas. Enfraquecida, machucada e, agora, presa.

Esperando manter o fôlego por tempo o suficiente, Lara apoiou seu pé direito no chão, próximo às algas, abaixou e propeliu-se em direção à superfície. Para sua felicidade, as algas que a prendiam romperam-se. Ao quebrar a superfície, respirou fundo e até tentou, porém não pôde enxergar adequadamente os arredores.

Sentindo as dores causadas no trajeto, ela vagarosamente se moveu pela água até sentir um desnível abaixo de seus pés. Ela seguiu o súbito declive até encontrar-se completamente emersa. Rapidamente sentou-se e retirou um kit de primeiros socorros de sua mochila, procurando atenuar seu sofrimento. Com mais calma, ela finalmente analisou a área circunjacente.

* * *

Um lugar desolado e bastante incomum ao mundo como o conhecemos. Diretamente à sua frente, o lago abrigava uma queda torrencial de água, cuja origem não podia ser determinada. Não importava para qual lado ela olhasse, ela literalmente tinha a sensação de estar no meio do nada: desertos infindáveis, sem quaisquer pontos de interesse no horizonte.

O céu, negro e sombrio, tomado por nuvens, anunciava uma inevitável tempestade. Lara percebeu que um resfriado não seria uma boa ideia, especialmente considerando suas condições atuais, então levantou-se e, só então, olhou para trás. Finalmente, um ponto de partida – e também o único refúgio à vista. Uma misteriosa torre negra, como se construída de antracito, se destacava entre os relâmpagos que tumultuavam os céus.

Lara correu, o mais rápido que sua integridade física permitia, e conseguiu chegar até a entrada da torre, momentos antes das primeiras gotas de chuva tocar o solo. Ela empurrou a porta – o ensurdecedor rangido era uma sinfonia para seus ouvidos – e entrou na torre. Algumas poucas tochas iluminavam parcialmente o ambiente.

Carregando uma das tochas por precaução, Lara caminhou em linha reta até o lado oposto da entrada. Uma escada espiral aparentemente circundava o perímetro da torre. Antes de investigar andares superiores, Lara desceu um lance de escadas para averiguar os andares subterrâneos.

* * *

No andar diretamente abaixo da entrada, ela se deparou com uma espécie de refeitório. As mesas e cadeiras do local estavam ordeiramente organizadas, embora todos os armários que cercavam a sala encontravam-se completamente vazios. Com exceção de um caldeirão, também vazio, atrás de um balcão, nada parecia ter importância no ambiente.

De volta às escadas, Lara desceu um novo lance.

Ao contrário do refeitório, a atmosfera aqui era completamente diferente. Chão, paredes e, até mesmo, o teto estavam cobertos por uma substância vermelha: sangue. Adorável. Erguendo uma de suas sobrancelhas, ela percebeu que não existia cadáver ou vestígio algum do massacre que deveria ter ocorrido ali.

Recente, pensou, enquanto realizava buscas pela sala. Em meio à uma rasa poça de sangue, ela encontrou um pequeno objeto de prata, cujo formato lembrava-lhe uma chave. Sem saber o real propósito do apetrecho, ela o limpou em sua camisa e o guardou em sua mochila, para uma eventual futura consulta. Ainda repugnada pelo ambiente, ela retornou e desceu mais um andar.

O último andar subterrâneo também parecia não abrigar interesse. Uma grade no chão, porém, reluziu à tocha nas mãos de Lara. Ela sacou uma pistola e caminhou em direção à grade. Mesmo com os olhos semicerrados, ela não pôde enxergar qualquer coisa dentro do alçapão, além da escuridão.

* * *

Julgando o que pudesse estar lá irrelevante, ela guardou a pistola e retornou à escadaria. Antes de subir o primeiro degrau, porém, uma trêmula voz chorou por ajuda. Lara identificou a origem do som imediatamente: o alçapão. Decidiu verificar uma última vez. Nada.

A grade, robusta, não parecia ceder aos esforços da aventureira. Ao perceber que seria incapaz de fazer qualquer coisa ali, ela retornou às escadas mas, novamente, ouviu o mesmo clamor. Sentindo-se impotente, Lara parou por um momento, baixou sua cabeça, e fez seu melhor para ignorar a voz. Sinto muito.

Ao subir um andar, passando pela entrada da área onde uma suposta chacina teria acontecido, ela admirou-se. Nada havia restado ali: o sangue, bem como seu inexorável odor, havia sumido completamente. Considerando a possibilidade de ter tido uma concussão em algum momento, ela decidiu conferir sua mochila. A chave prateada permanecia lá, e, também, as manchas de sangue onde havia limpado o objeto em sua camisa.

Na cantina, outra surpresa. As mesas agora estavam cobertas de pratarias sujas, e ao menos uma delas estava virada. Inúmeras cadeiras quebradas denunciavam que a última refeição serviu como palco para uma briga espetacular. Sem testemunhas, entretanto, pois não havia sinal algum de vida ali.

Bastante confusa, Lara retornou ao andar térreo. O candelabro, a quase dez metros de altura, agora estava aceso e permita uma visão geral da sala. Vazia, exatamente como ela esperava. A porta aberta permitia que os tons sutis da incessante chuva penetrasse o ambiente. Com os andares inferiores explorados, era hora de ver o quê a aguardava acima...

* * *

Lara não contou, mas a quantidade de degraus que subiu era desumana: ela teve a sensação de que, cedo ou tarde, alcançaria o céu. Cansada de subir uma escada circular, sem nunca chegar a lugar algum, Lara buscou conforto e tentou manter o ritmo considerando que uma escada longa assim deveria servir um propósito afinal.

Os degraus finalmente levaram-na a uma área externa, no ápice da torre. Gotas de chuva rolavam pelo seu rosto enquanto ela examinava esse novo ambiente. A escuridão da noite não lhe permitia uma visão estendida, e logo a chama da tocha em suas mãos foi extinta pela chuva. Ela conseguiu identificar, porém, que era uma área semicircular, em formato de meia-lua, com a parte minguante servindo como um ponto de vantagem mais alto.

Lara olhou em direção aos céus, buscando o topo do ponto de vantagem, e teve uma pequena surpresa. Um rosto familiar estava lá, olhando para baixo, diretamente nos olhos de Lara, como se tivesse passado uma eternidade esperando por este momento. Um momento de silêncio. A chuva continuava contornando as feições do rosto de Lara e, até onde ela conseguiu identificar, sua inimiga parecia também estar ensopada. Um relâmpago revelou a silhueta da mulher e rompeu o silêncio.

"Surpresa em me ver?," ela questionou. "De certa forma, Sophia. Na verdade, não te encontrar seria algo mais desconcertante," Lara retrucou, sarcasticamente. Sophia esboçou desdém em um sorriso amarelo, dizendo "Ah Lara, você sequer imagina onde está, não é mesmo?"

"Verdade, não sei. Mas, honestamente, não suponho que você saiba." A atitude de Lara começou a desgastar Sophia: "Este é um grande erro, Croft. Seja bem-vinda à Torre das Almas. Tenho certeza que, vivendo à sua reputação, você fez seu dever de casa e percebeu que não há nada aqui. Nada além de almas condenadas. Elas não podem sair, e nós também não. Podemos ceder e nos juntar à elas,  ou..."

"Ou o quê?," Lara interrompeu, ao mesmo tempo em que um relâmpago clareou os céus momentaneamente. "Ou podemos fazer aquilo que não tivemos oportunidade em vida. Eu estive te esperando, você sabe..."

"E o que exatamente nós não fizemos?"

* * *

Lara não esperava por uma resposta, portanto não se decepcionou quando ela nunca surgiu. Ao invés, Sophia disparou um projétil com seu cetro. Lara esquivou, mas não pode deixar de se surpreender: o cetro de Sophia estava equipado com o Olho de Ísis, o exato artefato que ela havia recuperado no zoológico, há poucas horas!

Sophia gargalhou. "Qual o problema, Lara? Tenho certeza que este artefato é familiar... Ah sim, quem sabe os outros? Vá em frente, eu espero."

Com o olhar fixo em Sophia, Lara tirou a mochila de suas costas. Ao abrir, constatou que, de fato, nenhum dos artefatos estava lá. Lara retornou o olhar para Sophia, que agora estampava um sinistro sorriso em seu rosto: "Hora de decidir o destino de nossas almas?"

"Certamente."

Sophia saltou para o nível inferior, onde Lara estava. Ela não parecia sofrer efeito algum de gravidade, flutuando momentos antes de colocar os pés no chão. Com armas em mãos, Lara elaborava mentalmente uma estratégia, enquanto Sophia optou por medidas mais agressivas, determinada à fazer o que fosse necessário.

Lara saltou para trás, disparando contra Sophia, mas se impressionou ao ver sua inimiga girando o cetro tão rapidamente de forma que nenhum disparo a atingiu. Imediatamente, Sophia congelou as gotas de água acima da sua inimiga. Lara rapidamente rolou para frente, ouvindo o barulho das pequenas lâminas de gelo quebrar no chão atrás de si.

Sua trajetória, porém, a colocou diretamente nos pés de Sophia, não lhe dando qualquer chance para  evitar o que viria a seguir. "Isso acaba aqui," ouviu, momento antes de ser atingida nas costas. Apesar da dor, ela não estava disposta a desistir, mas não conseguia se recompor e permaneceu ali, no chão. Sophia bateu o cetro no chão, rindo, e recolheu o corpo de Lara com uma força descomunal. Caminhando até a beirada da torre, Sophia sentia o sangue de Lara misturado pela chuva correndo ao longo de sua própria figura.

"Ah, Lara, finalmente você poderá se juntar às almas que permeiam este lugar amaldiçoado, e eu finalmente cumpri minha vingança, livre para deixar este lugar para trás..." Antes que a executiva pudesse encerrar seu discurso de vitória, ela foi levada ao chão. Lara, beirando o inconsciente, caiu sobre ela.

* * *

Embora Lara não pudesse acompanhar ou sequer entender o que estava acontecendo, Sophia sabia muito bem. Removendo o corpo de Lara e erguendo-se a seus pés, ela identificou o que a atingiu: uma alma, ou talvez um conglomerado delas, havia impedido que Lara fosse arremessada torre abaixo. A reluzente forma se dirigiu à loira, fantasmagoricamente.

"Sem honra, você não merece um lugar ao sol. A novata, entretanto, provou seu valor enquanto explorava as profundezas deste lugar." Uma quantidade incontável de almas surgiu – qualquer pessoa no lugar de Sophia estaria horrorizada com a visão. O pavor só tomou conta dela, porém, quando as aparições mergulharam diretamente no peito de Lara.

Lara, ainda no chão, abriu os olhos. Completamente brancos, ela levitou de forma a ficar de pé, frente a frente com Sophia. "Sim, Sophia. Isso acaba aqui," disse, sem esboçar qualquer tipo de emoção. As armas de Lara retornaram às mãos dela, desafiando a física e o bom senso. O ódio havia consumido Sophia completamente. Com os dentes cerrados, Sophia tentou recolher o cetro.

Com um condescendente sorriso e um único disparo, Lara disparou na mão de Sophia, forçando-a a imediatamente largar o cetro e se ajoelhar, pressionando a mão ferida contra sua barriga. Lara caminhou até ela. Sophia olhou para cima e, fitando diretamente o vazio dos olhos de sua inimiga, murmurou uma nova promessa de vingança. "Ainda não terminamos, Lara, ainda não..."

E então uma expressão de desamparo tomou conta do rosto de Sophia, após ser alvejada, uma última vez, bem no meio dos olhos. O corpo de Sophia caiu ao chão. Um prolongado silêncio ocorreu, enquanto Lara permaneceu estática, olhando para o corpo da loira estirado aos seus pés, até que um novo relâmpago iluminou os céus. Lara, inconsciente, atingiu o chão.

Os espíritos que haviam possuído seu corpo haviam partido. "Uma marioneta que serviu seu propósito não é mais necessária." A única forma de movimento presente na cena, agora, era a chuva.

* * *

Tempo depois, o que lhe pareceu uma eternidade, Lara abriu os olhos. Com uma enxaqueca como nunca teve antes, ela levantou-se. Ao recolher e guardar suas armas, avistou o corpo de Sophia no chão, com os olhos abertos e direcionados firmemente ao Olho de Ísis em sua frente. Lara não tinha memórias do que havia ocorrido ali, mas aproveitou a oportunidade para recuperar o artefato.

"Vou ficar com isso, obrigado."

Com seu objetivo aparentemente concluído, Lara desceu. A descida lhe pareceu menos sofrida, mas não necessariamente mais curta. De volta ao primeiro andar, a escuridão novamente havia tomado conta do ambiente e as portas agora estavam fechadas.

Lara abriu a saída, esperando avistar os céus negros e a cachoeira por onde veio, mas foi surpreendida com um campo verde e florido, céus azuis e uma inofensiva fauna harmonizava o lugar. Conforme caminhava por essa refrescante troca de ambiente, Lara viu uma densa e misteriosa névoa encobrir a torre, até que ela se tornasse um pesadelo distante.

E agora, o que é isso, o paraíso?, Lara questionou-se. Não demorou até que tudo ao seu redor começasse a se desfigurar. Em determinado momento, tudo ficou preto, Lara não conseguia ver um palmo à sua frente. Ela sentiu um tapa no rosto. E outro.

Finalmente abrindo os olhos, ela avistou as rotatórias luzes de uma ambulância. Só então ela percebeu que estava deitada no chão, confortada nos braços de um paramédico que segurava seu rosto. Involuntariamente e com dificuldade para verbalizar seus pensamentos, ela questionou se estava morta.

"Longe disso," o médico respondeu, sorrindo. A equipe colocou Lara em uma maca e levaram-na para a ambulância. Ela sentia frio e suas roupas estavam molhadas. Enquanto era carregada, ela teve um último momento para examinar os arredores. Uma grande e característica muralha, cercada por um lago, inundou a memória de Lara: o zoológico.

A passagem subaquática havia desembocado Lara naquele lago. Somente então ela se deu conta da sorte que teve, pois, enquanto esteve inconsciente naquele lago, tudo poderia ter ido para o inferno...




2004, 2014 Treeble
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