Que a Core Design e o jornal britânico The Times haviam feito uma parceria e
lançado um nível bônus para The Last Revelation todo mundo sabe,
afinal o nível é (devidamente) difundido em virtualmente todo lugar. Mas a
colaboração foi muito além disso: na edição de 27 de novembro de 1999, o
jornal trouxe um encarte especial dedicado à aventureira intitulado
A Girl Called Lara.
Alguns colecionadores possuem uma cópia desse encarte, como é o caso das
administradoras do portal
Virtual Lara
que compartilharam fotos de todas as suas páginas. De maior interesse, em
minha opinião, é que entre o conteúdo promovido pelo jornal estava o conto
Down Among the Dead. Talvez seja apenas uma fanfic vangloriada, mas é
fato que foi publicada em caráter quase oficial.
A história foi dividida em sete capítulos e publicada periodicamente nas
páginas do jornal. Esse é o tipo de conteúdo que, infelizmente, se perdeu para
o tempo — temo que, a essa altura, já perdemos muito mais do que sequer imaginamos. A autora do texto,
Erica Wagner, foi contatada pelas gerentes de comunidade da Crystal Dynamics em algum
momento no passado mas, infelizmente, não tinha o artigo completo para
compartilhar.
Com um pouco de esforço, encontrei um banco de dados com cópias arquivadas de
jornais antigos. A pegada é que apenas parte dos textos pode ser acessada sem
o login de uma universidade ou biblioteca associada à plataforma.
Agradecimentos ao portal
Tomb Raider Arabia
por partilhar o mesmo nível de obsessão e resgatar na íntegra os dois capítulos
que localizei; agora, somados aos dois que já haviam sido publicados pelo Virtual Lara, temos mais da metade da história.
Apesar de incompleto, decidi fazer uma tradução livre do conto para publicar e
arquivar aqui no blog Raider Daze. Com sorte, algum dia conseguiremos
os três capítulos faltantes...
[Atualizado em 19/05/2023:] Finalmente posso trazer o conto traduzido em sua totalidade! Além de realizar algumas revisões integrais do texto, tomei a liberdade de reescrever certos segmentos de forma a dar um melhor entendimento à história em nosso idioma. Desfrute!
[ * * * ]
Down Among the Dead
— I —
Lara fez a volta ao redor da esquina e, bem como havia suspeitado, o bandido
estava esperando por ela. Ela sentiu a adrenalina acelerar até as raízes do
cabelo enquanto ele caminhava em sua direção, praguejando, mas ela fintou e
pegou o cano de chumbo que havia escondido em suas costas. Ela atacou com toda
sua força, mas ele também era rápido e conseguiu esquivar-se a tempo. E, num
piscar de olhos, ela estava encarando o tambor de uma arma. Tudo ficou
devagar. Ela pôde ver o dedo dele pressionando o gatilho, e ouviu o disparo,
feito à queima-roupa, contra o seu peito.
"Mas que inferno," Lara resmungou, empurrando o teclado do computador para o
lado. Esses jogos eletrônicos eram uma porcaria. De qualquer forma, ela tinha
coisas melhores para fazer. Em sua frente estava uma montanha de papéis,
livros e arquivos — ela estava os separando, tentando decidir qual seria o
assunto de seu próximo livro.
Foi Fácil Para Scott: Uma Aventura na Antártida?[1]
Rolando por Bornéu? Nada parecia adequado. Ela se levantou e preparou
uma xícara de café, olhando pela janela para o jardim da casa estirado abaixo
dela. As folhas estavam começando a mudar: suas adoradas rosas haviam fechado
e caído, dormentes para mais um inverno. Nessa época, ela sempre preferia sair
da Inglaterra em vez de ficar sentada em sua mesa.
Bem, talvez existisse uma forma de fazer isso... Ela pegou a carta que havia
deixado sobre a mesa no dia anterior. A carta tinha sido enviada, regularmente
como em todos os outros anos, por seu padrinho Jeremy, o homem responsável por
muitas de suas aventuras.[2] A cada ano, ele a levava em uma viagem
diferente, mas o preço da passagem era sempre o mesmo: ela precisava resolver
os enigmas que ele apresentava para assim descobrir o ponto de partida.
Poderia ser em qualquer lugar do mundo, e o desafio era sempre exigente.
O primeiro dos enigmas estava agora em sua frente. Não era difícil para Lara
encontrar o interesse em resolvê-lo, mas sua preocupação quanto ao seu próximo
passo profissional ainda pairava sobre sua cabeça. Ela não era mais uma
garota, afinal, e ela precisava de uma fonte de renda. Ela curtia todo o lance
de exploração de tumbas, mas isso não seria o bastante para pagar pela
manutenção desse lugar. Ela suspirou e bebeu um gole do café. Enquanto voltava
para sua mesa, quase tropeçou em um livro que havia caído de uma pilha nada
organizada. Tesouros do Museu de Cairo.[3]
Ela se ajoelhou. Ela havia esquecido que possuía esse livro. Ela folheou as
páginas, ainda pensando no enigma de Jeremy. A conjunção de ambos parecia um
toque de sorte do acaso. Enquanto ela observava as imagens de pedra e ouro, de
lazulita e alabastro, tudo fazia com que ela quase pudesse sentir a poeira e a
energia do Egito. Ela fechou o livro rapidamente; ela acabara de ter uma
ideia.
* * *
A carta original não existia mais. O arquivista havia lhe explicado que, uma
vez que estivesse digitada, ela era desprezada. A carta foi publicada no
jornal The Times em março de 1923. "A morte surge em asas para aquele que
entra na tumba de um faraó," a novelista Marie Corelli lembrava aos leitores
do jornal, ávidos por notícias do que seria revelado na recentemente aberta
tumba do garoto-rei Tutancâmon. De acordo com ela, essa advertência constava
em um texto arábico em sua posse. E, mesmo assim, esse alerta teria passado
despercebido não fosse por Lorde Carnarvon, — patrono do descobridor da tumba,
Howard Carter —, ter morrido poucos dias depois.[4] A Maldição dos
Faraós!
Quanta bobagem, Lara pensou enquanto examinava as caixas que o arquivista
havia deixado em sua frente. Em 1922, o jornal The Times pagou cinco mil
libras esterlinas pela cobertura da maior descoberta arqueológica do século.
Notícias do Vale dos Reis chegavam por mensageiros até Luxor naqueles dias —
Lara suspirou, pensando como a vida antes de e-mails e modens parecia mais
emocionante. Com suas paredes de tijolos grossos e janelas pequenas barradas
por grades, o arquivo estava silencioso como uma tumba nessa tarde chuvosa de
Londres.
Ela sabia que era atrevimento simplesmente aparecer assim. Para sua sorte, um
tio que ela não via há anos esteve em Oxford, lendo clássicos com o editor.
Ela já havia se encontrado com o editor algumas vezes e ele parecia um homem
agradável. Sentada em um sofá grande no seu escritório mal iluminado e com
teto baixo, ela teve a sensação de que ele não sabia o quê pensar sobre ela.
Mesmo assim, ele havia a deixado entrar no arquivo. Antes de sair, ela
caminhou até as prateleiras e puxou um volume original em grego de Xenofonte
que, ela observou, já pertencera ao "Serviço de Inteligência do The
Times".[5] Definitivamente, aqueles eram os bons tempos. Ela
rapidamente leu o parágrafo de abertura em voz alta; seu grego não estava tão
enferrujado quanto ela pensava. Isso, de qualquer forma, fez o editor sorrir.
A morte surge em asas para aquele que entra na tumba de um faraó. Ela
sentou-se com um lápis entre os dentes, pensando até onde tudo aquilo poderia
levar ela. O arquivista esticou sua cabeça pela porta. "Está tudo certo aí
dentro?", perguntou.
"Sim, tudo bem, obrigada," ela respondeu. "Esse é todo o material?" De alguma
forma, maldição ou não, ela ainda não tinha encontrado o que estava
procurando.
"Acho que sim," ele disse. Ele parecia ser um rapaz bem-educado, Lara pensou.
Ele disse que era novo no emprego e que estava ali há cerca de seis meses.
Lara não aguentaria ficar enfiada em escritórios empoeirados o tempo inteiro.
Ele contou as caixas sobre a mesa. "Espere aí," disse. Ele foi até os fundos
e, após alguns minutos, retornou com outra caixa, menor do que as demais,
feita de madeira e não de papelão. "Engraçado," disse, "achei que fosse parte
desse lote." Havia uma pequena etiqueta na caixa, cuidadosamente feita com
tinta preta em escrita antiga: '1923' era tudo que dizia. "Eu não olhei
dentro, entretanto." Ele se curvou e soprou a poeira da tampa. "E parece que
ninguém fez isso... pelo menos, não recentemente." Ele sorriu para ela. "Toda
sua, então." Ele deixou a sala, fechando a porta atrás de si.
Cuidadosamente, Lara abriu a caixa, colocando a tampa ao lado. Dentro havia um
maço de papéis, desorganizados e amarelados. Todas as outras caixas estavam
divididas em pastas, bem organizadas. Na verdade, quando ela as tinha visto
ficou decepcionada, pois sabia que não encontraria nenhuma coisa nova em algo
tão bem organizado. Mas agora... Com cuidado, ela começou a olhar o material.
A maior parte da caligrafia era de Howard Carter, ela agora era capaz de
identificar, e ocasionalmente ela via a assinatura falhada de Lorde Carnarvon.
Muitos dos papéis eram registros: colunas de números e de nomes de fotógrafos,
de jornalistas e de agências de notícias. Entre os papéis, ela notou algo
diferente, escondido no fundo da caixa. Era um pequeno caderno feito a mão.
Media cerca de oito por dez centímetros, feito de papel grosso e amarrado com
cordão encerado. Sua capa estava manchada, mas não identificada. A primeira
página estava em branco. Na página seguinte, alguns números: pareciam contas
confusas. Então, um esboço ou outro, pareciam ser detalhes de joias ou
estátuas. Um olho de Hórus encarava Lara. Na página seguinte, a caligrafia de
Carter novamente, desta vez distorcida e apressada. Ela começou a ler:
Eles dizem que essa é a descoberta arqueológica mais importante que já foi
feita no Egito, e talvez até mesmo no mundo inteiro, e sei que isso é
certamente verdade. Mas, mesmo assim, estou convencido de que há algo a
mais, possivelmente de ainda maior importância. O que eu encontrei até agora
pode muito bem me levar até a próxima, se apenas eu pudesse...
"E então?"
O arquivista. O coração dela estava palpitando. Lentamente, ela fechou a
caderneta, que cabia quase que inteira na palma de suas mãos. "Bem, bem." Ela
disse rapidamente, tentando não expor sua animação. "É, hmm, mais do mesmo,
sabe... contas, registros, esse tipo de coisa."
"Nada empolgante?"
Lara sorriu, de forma nada convincente e ela estava ciente disso. "Na verdade,
não."
O arquivista deu de ombros. "Bem, você sabe onde me encontrar se precisar de
mim," ele disse.
Depois que ele saiu, Lara rapidamente reorganizou os papéis, empilhando todos
dentro da caixa. Ninguém notaria a falta da caderneta. Bem, ninguém notaria,
certo? Ficou guardada ali todos esses anos, sem fazer nada por ninguém. Ela
deveria ficar com a caderneta, poderia ser útil. Sorrindo, ela a guardou no
bolso interno de sua jaqueta de couro. Ela estava se sentindo bem, como há
meses não se sentia.
[ * * * ]
— II —
Caminhando pela rua do museu, passando na frente de pequenas lanchonetes
italianas e lojas de lembrancinhas, Lara checou seu relógio e deu um tapinha
no bolso, para confirmar que a caderneta ainda estava em segurança. Seis horas
em ponto em um dia de outono e já estava quase escuro; a respiração de Lara
emplumava-se em sua frente e desfazia-se como esperança. Esperança... seria
loucura pensar que ela estava no caminho certo? Bem, ela logo descobriria.
O museu estava fechando. Um segurança a parou na entrada, mas ela disse que
tinha horário marcado e ele a deixou entrar. Ela caminhou contra a onda de
visitantes que saíam do museu, passando pela fachada repleta de colunas do
prédio, cujo aspecto visual era arruinado por um andaime. Na escuridão, gruas
pareciam assombrar o local como se fossem criaturas pré-históricas.
Um guarda a escoltou através de longas galerias e corredores vazios. Ela
conseguiu ver, de relance, os Mármores de Elgin,[6] com um suave
brilho azul lunar na escuridão parcial em que se encontravam, os rostos de
pedra com olhares vazios em sua direção. O guarda a deixou em um corredor
estreito, em frente a uma porta de madeira. Ela bateu.
"Um momento, por favor!" O grito abafado, no mesmo sotaque americano que ela
tinha ouvido ao telefone, foi seguindo por um tumulto — o som, ela adivinhou
com certa familiaridade, de alguém organizando coisas às pressas. E então a
porta se abriu.
"Senhorita Croft, eu imagino. Como vai? Alvin Blackmore, prazer em
conhecê-la."
Dr. Alvin Blackmore III estendeu sua mão grande, ato que ela retribuiu, e ele
a apertou vigorosamente, esmagando seus dedos com mais força do que ela
gostaria. Ele era muito mais alto que ela, devia medir cerca de 1,95 m, e
apesar de ela acreditar que ele estivesse na casa dos 60 anos, ele tinha um
porte físico saudável, com peitoral e ombros largos. Na altura dos olhos dela
estava uma listra vívida da camisa feita com um caríssimo algodão egípcio. Logo acima, o
pescoço dele estava decorado desajeitadamente por uma gravata-borboleta. Seu
cabelo era bem branco, e as bochechas eram borrachudas. Ela conseguia
imaginá-lo, décadas atrás, como um zagueiro estelar no time de Yale — pelo que
parecia, quando ela espiou rapidamente os diplomas pendurados na parede atrás
dele. "Entre, entre," ele disse. "Por favor, sente-se."
Uma grande mesa de carvalho ocupava um canto do pequeno escritório, que estava
repleto de armários de arquivos e outras mesas menores cobertas por papéis;
pilhas e mais pilhas de papel sob o peso de pequenas figuras de granito e
alabastro. Ela notou que uma delas era esculpida com o encantador rosto de um
babuíno, adequadamente o bastante.
Blackmore removeu os últimos papéis do assento que ele tinha indicado para
ela. "Posso guardar seu casaco?", ele ofereceu.
"Estou bem assim, obrigada." Lara disse. "Obrigada por me atender."
"Bem, qualquer amigo do professor Gilbert é amigo meu," ele riu. "Agora," ele
disse enquanto sentava-se no outro lado de sua mesa, "você tinha falado algo
sobre uma caderneta?"
Lara colocou a mão na jaqueta e puxou o pequeno caderno. Ela o entregou e
observou enquanto ele folheava as páginas. "Interessante," ele disse, quase
que para si próprio. "A caligrafia é do Carter." Ele olhou para ela,
levantando uma sobrancelha. "Proveniência?", ele questionou.
"Não posso dizer." Ela olhou diretamente nos olhos dele.
Ele balançou a cabeça. "Ora, ora, ora." Ele olhou para ela, de uma forma que
poucos homens faziam: ela sabia que o quê ele estava analisando estava acima
da linha de seu pescoço. "Gilbert disse que você tinha um quê de pirática."
Ele fechou o caderno. "Mas estritamente falando, eu não deveria sequer olhar
para isso. Eu poderia arranjar grandes problemas, sem falar no que poderia
acontecer contigo, minha cara." Ele sorriu.
"É sobre outra tumba," Lara acrescentou. "Tenho certeza de que é autêntica,
mas eu precisava mostrar para outra pessoa. Eu acho que pode conter...
coordenadas. Ele fala sobre a viúva de Tutancâmon, Anquesenamom.[7]
Ela tinha apenas 25 anos quando ele morreu e ninguém sabe onde ela foi
enterrada. Parece que ele acreditava que a tumba dela pudesse conter um
segredo, algum tipo de poder. Ele fala sobre uma joia que poderia conferir
vida eterna — vida eterna de verdade, e não o pós-vida da mitologia egípcia.
Eu sei que parece loucura, eu não acredito que seja o caso, mas eu preciso de
ajuda para decifrar isso. Ajuda de alguém que eu possa confiar."
"Você não me parece do tipo que confia nos outros."
"Às vezes eu preciso," Lara disse, "mas eu fico bem irritada quando essa
confiança é traída."
"Entendo." Ele escorou-se na cadeira e olhou para a janela. "Eu gostaria de dar
uma olhada mais a fundo nisso." Ele olhou para o relógio. "Talvez podemos nos
encontrar novamente amanhã?"
"Você pretende ficar com a caderneta?"
"Não sei como poderia dar uma olhada mais a fundo de outra forma."
Lara se ajeitou no assento, desconfortavelmente. Ela não tinha feito uma cópia
da caderneta, não teve tempo para isso.
"Olhe," Blackmore disse. Ele se levantou e pegou uma das estatuetas que estava
usando como peso de papel. Media aproximadamente 15 cm e era esculpida
delicadamente. Era uma imagem de Ísis, protetora dos mortos. A lua coroava sua
cabeça e seu filho, Hórus, estava envolto em seu colo. Ele a entregou para
Lara. A pedra era fria e suave. "Por que você não fica com isso? Considere
como garantia."
Ela observou a figura em sua mão. Parecia uma ideia sábia, e ela conseguia
determinar a antiguidade em suas mãos. Ela pensou em tudo pelo que essa
estatueta já tinha passado. "Imagino que você não encontraria uma dessas na
lojinha do museu," ela disse.
Blackmore pôs uma mão sobre o ombro dela. "Podemos dizer que não," ele riu.
"Então... Nos vemos amanhã? Às 11 horas? Vou preparar um café turco, o quê
acha?"
"Seria ótimo," Lara disse. "Mal posso esperar."
Ele colocou a caderneta no bolso superior de seu casaco. Ele apertou a mão
dela novamente, com a mesma firmeza de antes. "Foi um prazer fazer negócios
com você, senhorita Croft," disse. "Eu acho que essa pode ser uma parceria bem
proveitosa."
"Assim esperamos," Lara concordou.
Ela disse que sabia o caminho até a saída e, quando saiu do escritório, fez
questão de caminhar pelas silenciosas galerias egípcias. Ela olhou por cima
dos ombros antes de tocar a superfície dentada da Pedra de Roseta.[8]
A pequena Ísis pesava em seu bolso. Ela parou em frente a uma estátua em
tamanho real de uma mulher com cabeça de leão, sentada: Sequemete, a deusa
responsável pela destruição de centenas de inimigos do deus do sol, Rá. No
colo da estátua, alguém havia deixado um buquê de flores soltas, frésias e
flores de íris brancas. A oferenda parecia dar vida à estátua, de certa forma
— Lara ficou arrepiada e se recusou a encarar o olhar da estátua. Ela apressou
o passo para sair do museu vazio sob o amarelado anoitecer de Londres.
Foi apenas quando chegou em casa que notou que uma página da caderneta havia
se desprendido do miolo e ficado em seu bolso. Bem, não era um problema, ela
poderia mostrá-la para Blackmore na manhã seguinte.
Era quinze para as onze quando ela chegou ao museu na manhã seguinte, e ainda
era claro apesar das nuvens de chuva no céu. Ela subiu correndo os degraus de
pedra e foi em direção ao escritório de Blackmore, mas uma guarda a
interrompeu quando estava prestes a cruzar uma placa que dizia "empregados
apenas". "Eu tenho horário marcado com o doutor Blackmore," ela avisou.
"Claro," a guarda respondeu com um olhar frio, "venha comigo." Ela não levou
Lara até o escritório de Blackmore, cuja porta estava fechada, mas sim para a
porta seguinte, logo ao lado, na qual bateu antes de abrir. "Tem alguém aqui
que quer ver o doutor Blackmore," ela anunciou.
Uma mulher levantou-se de trás da mesa, e Lara direcionou seu olhar para ela.
"Eu sou Lara Croft, estou aqui para falar com o doutor Blackmore. Há algum
problema?", perguntou. A mulher acenou com a cabeça e Lara se surpreendeu
quando percebeu uma lágrima escorrendo pelo seu rosto.
Lara sentou-se na frente da mesa da mulher, com uma xícara de chá esfriando em
sua frente. Um ataque do coração? Como ele poderia ter tido um infarto? Ele
parecia tão saudável! Frances Brock — esse era o nome da mulher, uma espécie
de curadora assistente, Lara imaginou — contou para Lara da forma mais gentil
possível, mas, ainda assim, Lara estava chocada. No escritório? Em casa? Lara
indagou. Aparentemente, foi em casa: ele conseguiu chamar uma ambulância, mas
estava morto quando chegou ao hospital. Assim que Brock disse isso, o telefone
tocou. Ela atendeu, balançou a cabeça algumas vezes, parecendo cada vez mais
ansiosa, e então desligou. "Você pode me dar licença por um momento?", pediu e
rapidamente saiu do escritório.
Bem, que azar tremendo. Lara levantou-se e caminhou pela sala. Ela espiou o
corredor. Não havia sinal de ninguém. Ela ouviu. Nada. Não havia sequer o som
de passos, e o escritório de Blackmore estava logo ali...
Sem pensar duas vezes, Lara saiu do escritório de Brock e tentou abrir a porta
de Blackmore. Estava aberta.
Ela entrou.
[ * * * ]
— III —
Haviam papéis espalhados para todos os lados. Será que alguém havia revirado o
lugar? Lara tinha suspeitas, mas era difícil dizer: não era um lugar
particularmente organizado antes e, quem sabe, talvez Blackmore estivesse
procurando por algo nos papéis que pudesse ajudar com a caderneta. O sistema
de organização dele parecia ser tão bom quanto o dela, o quê poderia resultar
em uma tremenda bagunça. Vestindo novamente suas luvas, ela levantou papéis e
livros em busca de um sinal da...
E ali estava, bem na frente dela: a caderneta! Ela estava parcialmente coberta
por um Post-It amarelo colado sobre sua capa, mas era impossível não
reconhecê-la. Lara se segurou para não rir alto. Ela analisou o recado antes
de removê-lo e guardá-lo em segurança entre as páginas; estava simplesmente
escrito 'Haggarty?'. Não era muito, mas, ainda assim, ela manteve esse nome em
mente. Rapidamente recolheu a caderneta e a enfiou no bolso e, mais uma vez,
saiu do museu. Quando chegou em casa que ela percebeu o que havia acontecido à
caderneta. Agora, enquanto estava sentada à mesa da cozinha sob a fraca luz do
anoitecer, com a cabeça apoiada em suas mãos. Páginas estavam faltando,
cuidadosamente removidas com uma lâmina afiada de forma que o quê permaneceu,
ali na sua frente, era apenas metade do que havia antes, e ela estava certa
que estes restos seriam inúteis.
"Acredito que encontrei o local que deveríamos escavar," ela leu. "Não é longe
de onde fizemos nossa grande descoberta; daquele ponto, devemos virar para o
norte e então —" e ali a página estava cortada. Maldição! Ela deu um murro na
mesa, e folheou para outra página mutilada. "Então," iniciou outra leitura,
"quando a tumba finalmente for encontrada, acredito que os segredos contidos
no interior serão de uma magnitude que farão o mundo ponderar de forma que
nunca o fez antes. Apesar de eu achar isso difícil de acreditar, tudo indica
que, no final, Anquesenamom foi capaz de usurpar o falecido vizir e
posteriormente faraó. Sim, um poder —" e aqui, outra página estava faltando.
Ela voltou uma ou duas páginas, onde leu que "o tesouro que foi encontrado na
tumba do menino rei era sem igual, mas acredito que tesouros ainda maiores
possam ser encontrados abaixo das areias egípcias..."
Mas o quê Lara poderia fazer? Esse não poderia ser o fim, ela se recusava a
aceitar isso. Talvez o falecido doutor Blackmore ainda pudesse ajudá-la
afinal. De qualquer forma, ao menos ela tinha encontrado uma pista para
seguir.
* * *
A empregada filipina colocou a bandeja laqueada sobre uma baixa mesa de vidro;
ela se abaixou para servir duas xícaras de chá chinês em uma porcelana tão
fina que Lara podia ver o nível do líquido subindo. Um cheiro delicado de
rosas flutuou até ela.
"É muita gentileza sua me atender, senhorita Blackmore," disse Lara. Ela se
virou para a janela, "devo dizer que sua paisagem é uma distração
maravilhosa." Do lado de fora da janela, o Central Park estava estirado abaixo
delas, as folhas amareladas e douradas de suas altas árvores faziam um
contraste com o brilhante céu de outono. O reservatório reluzia em tons prata,
ela mal conseguia dar forma aos atletas correndo regularmente ao seu redor
como se fossem brinquedos. Também abaixo, as escadas do Museu Metropolitano
estavam abarrotadas de pessoas, tanto turistas como nova-iorquinos. Lara
sempre adorou vir para cá.
"Sim, é esplêndida, não é?", disse a anfitriã. "Eu jamais poderia deixar a
cidade. Sempre senti pena de meu irmão, vivendo na velha e cinzenta Londres —
ah, me perdoe, senhorita Croft."
"É claro," Lara disse. "Mesmo porque eu concordo com você quanto à Londres. Eu
pessoalmente nunca vivi lá, não seria capaz."
Cornelia Blackmore tomou um gole do seu chá. Ela era uma mulher alta, talvez
um pouco mais velha que seu irmão, Lara palpitou, mas provavelmente não muito.
Tinha traços fortes e elegantes. Seu cabelo tinha um tom prateado escuro e ela
vestia calças pretas e um pulôver de caxemira na cor creme. Pequenos diamantes
brilhavam em suas orelhas, mas o diamante que reluzia no terceiro dedo de sua
mão direita — senhorita Blackmore, afinal — jamais poderia ser descrito como
pequeno. Tudo isso, o apartamento na Quinta Avenida, a grandeza silenciosa da
decoração... os Blackmores realmente tinham dinheiro. Ela lembrou-se da camisa
fina do doutor; não se compra esse tipo de coisa com o salário de um curador.
"Eu não sei como posso ajudá-la, senhorita Croft," Cornelia falou, sentada
delicadamente em um sofá do século XVIII coberto com uma pálida seda
cor-de-rosa. "O que você gostaria de saber?"
"Não tenho certeza, na verdade," Lara admitiu. Talvez tudo isso fosse um erro,
talvez ela parecesse uma tola. Sentada em frente à senhorita Blackmore, ela
mordiscou um biscoito polvilhado em açúcar. "É só que a morte de seu irmão
pareceu um tanto... inesperada. Ele parecia ser um homem bem saudável."
"Você conhecia bem o meu irmão, senhorita Croft?". Lara notou que o canto da
boca de Cornelia subiu ligeiramente, e rapidamente sentiu seu rosto corar.
"Nós havíamos acabado de nos conhecer," Lara respondeu. "Eu mal o conhecia."
Ela não disse nada sobre a caderneta. Por que deveria?
"Eu posso dizer o mesmo," a senhorita Blackmore disse. "Nós nunca fomos
próximos, mesmo quando éramos crianças. Não sei, nunca tivemos muito em comum
— exceto que nós dois odiávamos a babá," ela sorriu brevemente. "E então ele
começou a ir para tudo que é lugar, eu não conseguia acompanhar! Peru, Egito,
Sudão... Eu recebia cartões-postais de vez em quando, sabe. Ele sempre estava
prestes a encontrar algo importante, ou assim ele dizia. Parece que nunca deu
em nada." Cornelia baixou o olhar para o interior da xícara em suas mãos. "Ele
me lembra o pai, eu acho," ela finalmente disse. "Eles eram bastante
parecidos, sempre em busca de uma aventura, sempre querendo mais de seja lá o
que for. Meu pai costumava caçar animais grandes, mesmo depois que a África
foi transformada num parque gigante, sabe. Se você pagar o bastante, pode
encontrar alguém disposto a te levar para caçar um leão. O pai se afogou
quando saiu com o iate sozinho tempestade adentro. Ele estava fora de si, mas
ninguém seria capaz de impedi-lo. Era a mesma coisa com dinheiro; ele sempre
queria mais pois nada nunca era o suficiente, e ele estava sempre assumindo
riscos para conseguir mais... riscos lunáticos." Ela então gesticulou sua mão,
com seus dedos longos, para o apartamento. "Ainda assim, alguns desses riscos
deram resultados, então acho que eu deveria ser grata. Mais chá?", ofereceu.
Lara sacudiu a cabeça. "Tenho certeza que se nosso pai não tivesse morrido no
barco, ele teria tido problemas do coração, como meu querido falecido irmão. É
o tipo de morte que se espera de um homem assim, não é?"
"Talvez," Lara disse.
"Não sei o que mais posso dizer. Se você quer saber sobre o testamento dele,
ele não deixou nada — exceto dinheiro, é claro. Só estou dizendo isso, pois
você não parece o tipo de pessoa atrás de dinheiro."
Lara voltou a ficar vermelha. "Não, não estou," ela afirmou. "Eu estava... Eu
o conheci profissionalmente, como citei no fax. Só que nós temos... tarefas
inacabadas."
"Bem, temo que você percorreu uma longa distância por nada, lamento que não
possa ajudar mais." Elas ficaram em silêncio por um momento. "Pois bem, a Rosa
vai abrir a porta para você," então ela tocou um pequeno sino na mesa e Rosa,
a empregada filipina, surgiu. "Leve a senhorita Croft até a porta, Rosa, por
favor. Sinto muito, senhorita Croft, que essa foi uma jornada em vão. Adeus."
Ela se inclinou para apertar a mão de Lara; o aperto era tão firme quanto Lara
imaginou que seria.
Naquela noite, de volta ao seu quarto no Royalton, Lara não conseguia dormir,
e não era o barulho da cidade que a mantinha acordada. A cabeça dela estava
agitada com pensamentos incoerentes; ela tinha certeza que estava formulando
algo que parecia não se esclarecer. Finalmente, cansada de virar de um lado
para o outro, ela levantou da cama e se vestiu, calçando um pesado par de
botas e amarrando firmemente seu cabelo. Tinha apenas uma coisa que ela podia
fazer numa hora dessas. Exercício. Uma limpeza expressa para o cérebro.
Lara desceu do metrô na parada do Park Place. Nova Iorque sempre foi um lugar
impressionante — mesmo às três horas da manhã o local ainda estava repleto de
pessoas que pareciam estar indo para o trabalho. Ela caminhou rapidamente em
frente à prefeitura escurecida. O gigantesco prédio Woolworth Building estava
sempre atrás dela, com seu formato alongado de catedral perfurando os céus.
Depois de passar pela prefeitura, ela sentiu seus passos ficarem mais leves
quando chegou na ancoragem da Ponte de Brooklyn. Agora sim, ela estava no
lugar certo.
Ela seguiu em direção ao arco duplo das torres de Nova Iorque, seu coração
batendo cada vez mais forte conforme ela subia acima do rio. Os cabos
principais, cada um com quase 60 cm de largura, subiam por uma fenda na
calçada; primeiro até a altura de seus tornozelos, depois até os joelhos, e
então continuavam a subir, até o topo das torres, por onde atravessavam
grandes estruturas metálicas, mantendo a ponte suspensa. Ela rapidamente
saltou sobre um cabo e começou sua escalada. O vento ficou mais forte, jogando
seu rabo de cavalo ao redor do pescoço. Ela respirou fundo. Cabos mais finos
subiam ao seu lado, e ela segurou-se neles para manter o equilíbrio, sentindo
o aço gelado em seus dedos.
Havia apenas um obstáculo nessa escalada — além da possibilidade de ser vista
e um esquadrão de veículos ser acionado para retirá-la dali —, e era um portão
com cerca de 15 m ao longo do cabo, trancado, parafusado e protegido com
longos espinhos para impedir que qualquer um — bem, quase qualquer um —
escalasse por ali. Não haviam escadarias entre as torres de pedra como existem
nas torres de aço modernas. Os cabos eram a única forma para que os
engenheiros e reparadores subissem. Esse era o melhor trajeto para caminhar na
cidade, Lara decidiu. Ela teve um breve susto quando sua jaqueta enroscou em
um dos espinhos do portão e ela quase escorregou, mas o medo deu-lhe um novo
impulso para se reequilibrar no cabo largo. Ela subia em direção aos céus,
onde podia ver algumas fracas estrelas sobre o Brooklyn, e seguiu o cabo, com
um pé na frente do outro, até que chegou à pequena escada que subia até o topo
extremo da torre, 84 metros — e 30 centímetros — acima do rio East. De um
lado, Manhattan brilhava e queimava feito Oz; do outro, Brooklyn fumegava de
forma mais estatal e menos espalhafatosa. E aqui, no topo, Lara novamente
ouviu a voz de Cornelia Blackmore ecoando em sua cabeça:
Ele era exatamente como o pai... Nada nunca era o suficiente, e ele estava
sempre assumindo riscos, riscos lunáticos... Ele sempre estava prestes a
encontrar algo importante, ou assim ele dizia. Parece que nunca deu em
nada.
O escritório bagunçado, as páginas removidas do caderno; independente do que
Cornelia Blackmore tivesse lhe dito, Lara não acreditava que um ataque do
coração era responsável pelo que aconteceu ao irmão dela. Mas, o quê realmente
teria acontecido com Blackmore? Ela não estava mais perto de descobrir.
"Maldição," pensou enquanto descia o cabo até a calçada e seguia para o metrô.
Era passado das quatro da manhã quando ela chegou em seu quarto e, finalmente,
ela estava cansada. Até que avistou um fax que havia sido posto por baixo da
porta.
Papel timbrado. Hotel Luxor Hilton, em Nova Karnak, Luxor. Logo abaixo, em uma
caligrafia que ela não reconhecia, a mensagem dizia: "Lara. Se importa em
virar uma nova página? Se sim, embarque no próximo voo. Coisas maravilhosas."
Lara fez as malas, pagou a conta, e partiu antes do nascer do sol.
[ * * * ]
— IV —
Lara não perdeu tempo. Ela partiu de Cairo logo que chegou, deixando para
dormir no trem a caminho de Luxor. Ela atravessou o rio para o Banco Oeste,
mais próximo ao Vale dos Reis, e encontrou um quarto em uma pousada pequena e
miserável. Ela soltou sua mochila e saiu em rumo ao Hilton. Era cedo no
anoitecer e o dia estava começando a esfriar.
Ciente de estar em um país muçulmano, Lara vestiu calças longas e uma camisa
com mangas compridas, e envolveu um lenço ao redor de seu cabelo.
Na entrada do hotel, o porteiro acenou de forma arrogante com a cabeça, mas ao
menos a deixou passar. Uma rajada de ar condicionado, frio e úmido, a resfriou
enquanto caminhava até a recepção.
"Sim?", questionou o recepcionista. Foi apenas neste momento que Lara pensou
em quem deveria pedir para visitar.
Mas ela conseguia pensar em apenas um nome.
"Estou aqui para ver o doutor Blackmore," ela disse, lembrando a última vez em
que disse essas palavras e imaginando o que poderia encontrar desta vez.
"Acredito que ele esteja me esperando. Meu nome é Lara Croft."
"Sim, senhorita Croft," disse o recepcionista, com olhos sonolentos. "Pode
subir. Quarto 611, por favor."
Lara atravessou a sala decorada — toda de mármore pálido e ouro — e entrou no
elevador. O hotel estava bem quieto, algumas poucas pessoas estavam nos sofás
de couro de cor creme no saguão, mas ela sabia que era o ápice da temporada de
turismo, depois que o pior calor do verão já tinha passado. No sexto andar,
ela desceu e fez seu caminho até o quarto de Blackmore. Bem, hora de descobrir
o que estava acontecendo. Ela bateu à porta.
Silêncio. Ela bateu novamente. "Olá?", ela anunciou. Ainda silêncio. Ela girou
a maçaneta e, para sua surpresa, a porta se abriu.
Se no escritório de Blackmore ela não tinha certeza de como ficaria uma sala
completamente revirada, aqui não havia dúvidas. O quarto estava vazio e
escuro; quando ela acionou o interruptor de luz, nada aconteceu — a energia
provavelmente foi cortada. Mas puxando uma pequena lanterna do bolso de sua
jaqueta, ela mirou o feixe de luz ao redor da sala e notou que as gavetas da
sala tinham sido removidas, a porta do armário estava completamente aberta, o
delicado escritório depredado — o quarto estava coberto por meias caras,
montoeiras de panos abarrotados, papéis e livros rasgados.
Pisando gentilmente no carpete grosso, com o coração na garganta, ela viu as
páginas de uma revista lustrosa balançar à brisa: uma janela estava aberta.
Quando espiou pela janela, ela viu que dava acesso a uma saída de incêndio
pintada de branco. Obviamente o intruso — levando Blackmore como seu refém,
ela presumiu — tinha escapado. Para onde poderiam ter ido? Será que ele sabia
a localização da tumba sem a metade da caderneta que estava com ela? Era uma
possibilidade. O que ela poderia fazer? Ela se levantou, pensando, e o feixe
da lanterna iluminou uma carteira de fósforos em uma pequena mesa de café,
sobre a qual não havia mais nada. No meio do caos do quarto, parecia algo
deliberado. Ela pegou a carteira. 'Íbis', dizia, apenas. Ela a colocou no
bolso, fechou a jaqueta, saiu do quarto e desceu. O recepcionista a olhou com
indiferença enquanto ela saía do elevador. "Obrigado," ela gritou, animada, e
se dirigiu para a porta de saída. Não precisava contar para ele o que tinha
acabado de ver. A última coisa que ela precisava era ser interrogada pela
polícia de Luxor, que os céus a ajudem. "Ah," ela deu um passo de volta em
direção ao balcão e puxou a carteira de fósforos do bolso, "sabe onde fica?"
O homem acenou com a cabeça e deu um endereço, não distante da pousada. Ele
até mesmo desenhou um pequeno mapa para ela, e então ela saiu para as ruas
labirínticas de Luxor. Ela caminhou de volta até a balsa do Nilo, então parou
no deque, pensativa. Quem estava por trás disso claramente acreditava que os
riscos nesse empreendimento valiam a pena.
Ela lembrou o que tinha lido sobre a jovem e teimosa viúva de Tutancâmon, a
filha de Aquenáton e Nefertiti. O garoto-rei — cuja morte, de qualquer forma,
permanecia um mistério — foi sucedido pelo seu vizir, Aí. Talvez Anquesenamom
tivesse se casado com ele, talvez não; ela tinha procurado por outro marido
por escolha própria, quando escreveu para o rei hitita, Supiluliumas, pedindo
para que ele enviasse um de seus filhos para se casar com ela. "Dizem que você
tem muitos filhos, e se você me enviar um deles, ele será meu marido..."
"Eu jamais faria um de meus serventes meu marido." Lara pensou, enquanto lia
as últimas linhas, como era fácil imaginar o relacionamento que a viúva talvez
tivesse com o vizir, tantos anos mais velho que ela, seu governador e, ainda
assim — sob os seus orgulhosos olhos de realeza —, seu servente.
O desaparecimento de Anquesenamom da cena após isso não era nada menos que
sinistro para Lara, e ela pensava o que a tumba dela — se, de fato, era para
onde tudo isso estava indo — revelaria.
Por fim, Lara encontrou o que estava procurando e suas ruminações terminaram
abruptamente. No beco escuro, uma placa maltratada de neon brilhava na sua
frente: ÍBIS. Ao redor do nome, um bico curvo de pássaro. Esse era o lugar, e
bem a tempo: ela estava sedenta e esperava conseguir uma cerveja. Ela empurrou
a porta e entrou no bar.
Claramente não era a happy hour. O bar estava quieto, exceto pelo vago barulho
de uma antiga televisão preto-e-branco no canto e o toque das peças de um jogo
de xadrez, sobre o qual dois velhos estavam curvados no lado oposto. Ela
conseguia ouvir a areia na sola de suas botas. Ela pediu uma cerveja ao
lúgubre barista e se acomodou perto da porta dos fundos. Alguma coisa, ela
tinha certeza, aconteceria ali.
"Você é uma estranha nessas áreas?"
Lara virou a cabeça em direção à voz, mais devagar do que o alerta normalmente
teria causado. "Quem quer saber?", ela perguntou casualmente. O desconhecido
ficou de pé em sua frente, um homem bonito, mais jovem que ela, ela deduziu,
em um terno de linho branco e usando um velho chapéu panamenho, que agora ele
tirou por respeito — ou condescendência, Lara não tinha certeza. "Você é o
xerife dessa área?", Lara levantou uma sobrancelha e encarou os olhos negros
do desconhecido.
"De forma alguma, querida," o homem riu. Então, ela percebeu pelo sotaque que
ele era tão inglês quanto ela. "Como você está? Meu nome é Haggarty, Blade
Haggarty." Haggarty — o nome na nota. O contato que havia traído Blackmore?
Lara estava certa. "E você é..."
"Emily," Lara respondeu rapidamente. Ela não gostava nada desse sujeito. Ela
sabia que tinha uma tendência de fazer julgamentos precoces; uma tendência
que, ela lembrou a si mesma silenciosamente, já tinha salvado sua vida em mais
de uma ocasião.
Para ser justo, o terno claro não indicava que ele tivesse acabado de descer
por uma escada de incêndio às pressas, mas nunca se sabe. "Bem, Emily, o que
te traz até Luxor?", ele sorriu mostrando seus dentes brancos.
"Apenas uma turista," ela respondeu.
"Interessada nas tumbas?"
"Talvez." Ela encontrou a palavra certa para descrever a expressão no rosto
dele. Malícia. Urgh.
"Talvez eu possa te mostrar o lugar?", ele ofereceu espertamente. "A essa
altura, eu já sou praticamente um nativo por aqui, sabe. Eu trabalho para a
Reuters, a propósito. Um trabalho de aluguel, digamos assim. Um trabalho de
aluguel bem solitário." Ele piscou. Urgh, urgh, urgh.
"Obrigada, mas não," ela retrucou. Ela deixou algumas moedas sobre a mesa e
checou o relógio. Algo não estava certo, e ela pensou que era melhor reduzir
suas perdas. "Nossa, como está tarde. Estou cansada, sinto muito, mas tenho
que ir. Foi um prazer," ela disse. Então, empurrou a cadeira para trás e
seguiu em direção à porta dos fundos, para o beco ao lado do bar. Ela soube
que não deveria ter feito isso no momento em que o fez — deveria ter saído
pela frente —, mas era tarde demais. Ele tinha a seguido e bloqueado seu
caminho.
"Não vá embora tão cedo, senhorita Croft," ele sibilou. "Eu não aguentaria
ficar sozinho." Na escuridão azulada da noite ela pôde ver o brilho opaco do
cano da arma dele.
Será que ela conseguiria alcançar a dela? De nada adiantaria. Ela imaginou a
explosão nesse estreito corredor de tijolos velhos. Má ideia. A última batalha
dela — sentada à frente de uma tela de computador — passou pela sua mente.
Isso jamais seria um problema naqueles jogos malditos.
"Me dê a caderneta."
"Que caderneta?", ela perguntou friamente.
"Não se faça de desentendida comigo, Croft," ele surtou. "Você não vai viver
para se arrepender."
"Onde está Blackmore?"
"Ah, agora é sua vez de fazer perguntas, é?", Haggarty zombou. "Não acho que
você esteja em uma boa posição para fazer isso, minha querida Lara, não é?"
"Por que perguntou meu nome se você já sabia?", ela perguntou calmamente.
"Eu queria ouvir você mentir. Você é muito boa nisso, eu acho."
"Você vai descobrir que sou muito boa em muitas coisas."
Ele não percebeu o pé direito dela saindo da escuridão, chutando a arma de
suas mãos. A arma voou para longe, bem longe do alcance deles, mas ele não
pensou duas vezes — saltou para cima dela, prendendo-a ao chão em virtude de
sua altura e peso maiores.
Foi muito mais do que apenas isso. Lara lutou para se libertar, mas ele era
muito forte; ele conseguiu imobilizar um braço dela, e ela podia sentir o
cheiro de bebida no seu hálito e o ranço de seu suor. Ela bateu os dentes,
tentando mordê-lo, mas ele se desviou e riu.
"Ah, Lara, mal posso esperar para ver em que outras coisas você é boa," ele
rosnou. Todo o peso dele estava sobre ela, e agora ele colocou uma mão em sua
garganta.
Ela sentiu a mão dele fechar sua traqueia e se debateu em desespero; nesse
ritmo, ela não ficaria consciente por muito tempo. A sede de sangue brilhava
nos olhos dele, mas a vitória tão próxima o deixou descuidado. Lara conseguiu
espremer o outro braço sob suas costas e pegar a faca que sempre carregava
consigo, confortavelmente aninhada em sua lombar. Seus dedos alcançaram o cabo
enquanto o mundo começava a perder a cor.
Os olhos dele ficaram bem abertos em surpresa quando ela enfiou a lâmina na
base do seu pescoço. Ele sequer grunhiu. Uma gota de sangue preto sujou seu
terno branco e ela sentiu o calor da gota através de sua camisa. O punho dele
relaxou e ela conseguiu rolar para longe.
Ela revistou seus bolsos. Ah, sua carteira. E, obviamente, quando ela a virou,
as páginas faltantes da caderneta caíram, esvoaçantes. Lara caminhou para
fora do beco e, quando finalmente se encontrou sob um poste de luz, se abaixou
no pavimento e deu a primeira olhada a fundo na caderneta desde quando tinha a
roubado dos arquivos. Será que ela conseguiria desvendá-la sozinha? Bem, ela
não tinha outra escolha.
[ * * * ]
— V —
Percebendo que estava exausta demais para ficar em pé por muito mais tempo,
Lara direcionou-se de volta para sua pousada após o encontro com Haggarty. Ela
lavou o sangue de sua faca, de seu rosto e de suas mãos, e jogou as roupas
sobre uma cama estreita. Apesar da agitação em sua cabeça, o sono tomou conta.
Novamente, ela acordou antes do amanhecer, enquanto o sol ainda era uma fina
camada de cor coral no horizonte. Antes de sair, ela desenterrou a pequena
estatueta de Ísis de sua mala e a deixou sobre o travesseiro. Se esse não era
o lugar ideal para um talismã, qual seria?
Ela descobriria para onde ir, pensou. Ao norte das tumbas, uma distância
medida em passos; essa parte era fácil o bastante. O problema era depois
disso, quando Carter — claramente desejando ter reservado sua descoberta para
si mesmo — mudou para o quê parecia um sistema de medidas usado no Egito
Antigo, baseado na forma como o sol gerava sombras em determinados momentos do
dia. Ela não fazia ideia de como faria para decifrar isso. Quanto ao que havia
acontecido a Blackmore, bem, ele não estava mais em uma posição que a pudesse
ajudá-la novamente, então ela tentou afastá-lo de seus pensamentos.
Agora, como chegar ao Vale dos Reis? Ela não tinha como chamar um táxi.
Felizmente, a resposta se apresentou sozinha quando ela se virou para a via
Sharia al-Karnak. Um garoto em uma motocicleta — uma antiga Royal Enfield!
Tinha sinais de desgaste, mas ainda era majestosa. Ele estava chegando, ela
presumiu, para trabalhar em alguma cozinha nos arredores. Ele estava trancando
a moto quando ela se aproximou.
"Salaam aleikum," ela disse.
Ele concordou com a cabeça, observando-a da cabeça aos pés cautelosamente.
"Bela moto," ela disse em inglês, apontando para a motocicleta. Ela desejara
por um idioma universal de motos, e, naturalmente, parecia que ele existia: o
garoto abriu um sorriso enorme e passou a mão sobre o farol.
"Pode me dar uma volta?", Lara disse, olhando para ele com olhos largos e
apelativos. Ele retribuiu o olhar inexpressivamente. "Sabe, uma carona." Lara
estendeu as mãos a sua frente, flexionou os joelhos e bradejou: "vrum, vrum!
Uma carona."
"Carona!", o garoto disse, imitando ela, e voltou a sorrir. "Carona, claro,
uma carona!". Parecia que ele não acreditava na sorte que tinha. Ele deveria
estar preocupado em perder seu emprego, Lara ponderou seriamente, mas ela
asseguraria que ele estaria de volta a tempo para não se atrasar para o
trabalho. Ele subiu na moto e ela montou atrás dele, colocando seus braços ao
redor da cintura do rapaz. Ele se virou para olhar para ela, sorrindo ainda
mais. Até que ele era um rapaz bonito. "Vrum, vrum!", ele exclamou.
Ela não estava muito paciente, mas não queria machucar o garoto. Assim que
começaram a ganhar velocidade, ela exerceu mais força ao redor dele e o
derrubou da moto sem dificuldades; ele não pesava quase nada. Ele gritou
quando caiu, e cambaleou, tentando correr atrás dela enquanto gritava algo que
ela não seria capaz de entender, mas ao menos ele não estava ferido.
Acelerando para se afastar dele, ela enfiou a mão no bolso e pegou um punhado
de notas de $20, jogando-as para trás para que o garoto as pegasse. "Até
mais", ela gritou ao vento, "muito obrigado!"
O vento batia por seu cabelo e logo o deserto se estirava à sua frente,
dourado pelo sol nascente. Lara tentou manter a sensação de desespero sob
controle enquanto seguia a rua até o Vale dos Reis. A caderneta, seguramente
guardada em seu bolso, não trouxe as respostas que ela procurava; e agora o
desaparecimento de Blackmore também pesava em sua mente. Ela tinha certeza que
ambos eram peões no que estava se provando ser um jogo mortal.
Ao norte da tumba de Tutancâmon... enquanto o sol subia, Lara o usou para
definir sua rota. Quando fez uma curva, entrou em alerta ao avistar um carro
avançando em sua direção: um Land Rover velho, com vidros escurecidos. Parecia
ocupar a rua inteira. Lara apertou a buzina da Enfield, sem efeito algum. A 20
metros de distância estava aparente que, seja lá quem estivesse naquele carro,
não eram boas notícias para ela.
Lara saiu da rua e partiu para a areia, segurando-se firme na motocicleta. Com
a maior parte da tração perdida, ela não poderia arriscar soltar o guidão para
tentar pegar uma arma. Ela fez o melhor que pôde, mas o Land Rover estava
percorrendo o deserto facilmente, com seus pneus cravando na areia enquanto os dela patinavam sem resultados. Enquanto tentava desesperadamente fugir, a
roda traseira de Lara se desprendeu e ela saltou o mais longe possível para
não ser esmagada. Ela jamais se lembraria de ter atingido a areia. O mundo
escureceu ao seu redor.
Quando ela acordou, não havia sinal da moto e nem do carro. Ela levantou a
cabeça cautelosamente e sentiu uma dor aguda nas costelas que a fez perder o
ar. Bem, poderia ter sido muito pior do que uma costela quebrada. Todo o resto
parecia estar intacto. Seu rosto e cabelo estavam grossos com areia e, quando
ela tentou limpá-los, sentiu dor. Limpar a areia fazia o sangue ressecado
correr novamente. Ela piscou até conseguir abrir os olhos e se sentou.
Quanto tempo tinha se passado? Ela olhou para o leste, onde o sol agora estava
bem alto no horizonte; o céu tinha um tom pálido de azul. Olhando ao seu
redor, ela notou que a paisagem do deserto parecia ainda mais desconhecida do
que antes. Onde ela estava? Ela estava certa que tinha sido trazida até aqui.
Escapar seria difícil, pois o terreno não era convidativo. Lara tinha um único
cantil de água preso em sua cintura, e ela podia sentir o machucado onde ele
bateu contra seus ossos. Sua garganta já estava seca, sua testa estava coçando
por causa do calor, e o dia recém estava começando.
Foi então, ao olhar para a areia logo abaixo de onde estava, que ela percebeu
um degrau. Ou melhor, uma superfície plana abaixo da areia que se parecia
com... Ela se abaixou, limpou a areia do deserto sobre a superfície com as
mãos e, em um instante, sentiu a pedra logo abaixo de suas palmas. Em sua
mochila, ela tinha uma pequena pá dobrável, que ela pegou e começou a escavar
o mais rápido que conseguia. O deserto branco queimava ao seu redor. Mas ela
não se incomodou, apenas escavou.
[ * * * ]
— VI —
Selos de argila. Já haviam sido violados uma vez, ao que parecia, e então
reconstruídos novamente depois. Um cartucho de hieróglifos estava solto sobre
a terra seca. O suor escorreu para dentro dos olhos de Lara, causando ardência
quando ela piscou, mas ela sequer percebia isso ou a dor intensa em suas
costelas. Ela tinha escavado por quase três horas e agora, isso... como ela
havia encontrado isso? Ela pensou em Carter, escavando ano após ano,
implorando por dinheiro e então encontrando a tumba repentinamente — bem, ela
imaginou que talvez ele pudesse ter encontrado Tutancâmon mais rapidamente.
Mas Lara sabia que não se tratava de sorte. Ela estava destinada a encontrar
isso. Quem quer que tenha roubado as páginas da caderneta havia encontrado
este lugar e trazido ela até aqui para... para quê? O medo de Lara desapareceu
com a empolgação da descoberta. Seu coração batia fortemente em seu peito. Ela
cuidadosamente dobrou sua pá e a colocou de volta na mochila, então se
levantou diante da porta. Ela não reconhecia o que estava sentindo de início,
mas depois considerou que talvez fosse reverência.
A argila se esfarelou facilmente sob sua mão. As portas da tumba abriram com
uma facilidade assustadora; elas não fizeram barulho algum, como se tivessem
sido lubrificadas na noite anterior. Após atravessar as portas, ela se
encontrou em um longo túnel de pedra, frio como uma caverna. Ela tremeu
conforme o suor começava a secar e sacou a lanterna de sua cinta. Vinte passos
depois, um segundo lance de portas e mais selos de argila. Ela olhou para
eles, apontando a luz da lanterna e pensando nos séculos e séculos que
estiveram na escuridão. Um arrepio passou por sua cabeça e ombros, e ela se
lembrou de algo que haviam lhe dito quando era uma garota: isso significa que
alguém está caminhando sobre seu próprio túmulo.
Novamente, ela violou os selos antigos. Não havia outro caminho a seguir a não
ser em frente. As portas se abriram e quando o homem com cabeça de chacal
saltou em direção a ela, ela gritou. "Maldição!"
A madeira enegrecida da estátua, ressecada após eternidades abaixo da
superfície do deserto, rachou quando caiu ao chão de pedra. Anúbis, o deus da
morte, havia ficado de guarda dessa tumba por todo esse tempo, e Lara havia
praticamente caminhado diretamente para seus braços. Se puxando para sair de
baixo dele — a figura era quase tão grande quanto ela —, ela apontou a luz
para o seu rosto cuidadosamente esculpido, com longos olhos folheados a ouro.
Belo e imóvel, ele estava ao lado dela, com orelhas aguçadas como se estivesse
prestando atenção. O coração dela palpitou. O olhar dele não encarava o dela;
era apenas uma estátua. Lara levantou-se e continuou caminhando.
Uma antecâmara, repleta de bens de sepulcro. Botes, camas, e garrafas;
alabastro, ébano, e ouro. Lara precisou lembrar a si mesma para respirar
enquanto observava os objetos, alguns estavam esmagados e misturados. Os selos
reconstruídos: outra pessoa já esteve aqui, bastante tempo atrás. Que tipo de
ar antigo ela tinha em seus pulmões? Tinha um cheiro seco de poeira e de
madeira velha.
As paredes da primeira sala eram brancas, lavadas com lima, ela presumiu. Mas
então, atrás de outra porta, mais selos. Não dê atenção, Lara disse a si
mesma, apenas atravesse a porta. Do outro lado, tudo era diferente. Aqui, o
chão estava praticamente limpo, e era fácil para ela caminhar, e as paredes
estavam repletas de pinturas e de inscrições de figuras, tão claras como no
dia em que foram feitas:
"Temam e tremam, ó violentos que estão nas nuvens tempestuosas do céu. Ele
partiu a terra pelo que sabia no dia em que desejou chegar lá."[9]
Então ela viu algo. Ela apontou a lanterna para dentro da câmara e a pequena
luz atingiu um pequeno canto arredondado de pedra. Brilhante e preta como
basalto. Estava cercada de blocos de pedra esmagados, como se tivessem sido
quebrados com uma marreta. Eram os restos de um caixão externo retangular,
destruído pelos saqueadores que devem ter passado por aqui antes dela. Lara
piscou e olhou novamente, para ter certeza. O que aconteceu com esses ladrões?
Ela não pôde deixar de pensar na maldição gótica citada por Corelli. De alguma
forma, aquela calma com a qual ela havia desprezado tal maldição de dentro da
tranquilidade dos arquivos do The Times não retornava. E, mesmo assim, ela
caminhou até o sarcófago. Deitado, tinha a altura do torso dela. Ela precisou
ficar na ponta dos pés para observar o rosto de pedra.
Era largo e impassível, indecifrável. E mesmo assim as características, pelo
que lhe pareciam, eram certamente femininas. Havia uma delicadeza na boca e
nos olhos, e até mesmo, Lara pensou, certa tristeza. Ela apontou a luz ao
redor da beirada do sarcófago e quase que instantaneamente viu o cartucho que
ela acreditava que jamais veria: Anquesenamom. Ela sorriu na escuridão, então
avistou o grande escaravelho de esmeralda afixado no peito do grande caixão.
Lara estendeu a mão para tocá-lo. Estranhamente, parecia estar quente para
seus dedos. Não, realmente estava quente: ela tocou o sarcófago e então o
escaravelho, alternando entre os dois algumas vezes. Ela não estava imaginando
isso. Abaixo de seus dedos, ela também pôde sentir os arranhões na pedra, como
se alguém já tivesse tentado arrancar a joia sem sucesso. Era essa a joia da
qual a caderneta falava? Qual era seu poder? O ceticismo inerente de Lara
extravasou como areia para fora de um vidro. Era difícil para ela não
acreditar em nada diante disso. Ela esticou as mãos, pronta para pegar a joia,
quando ouviu um clique familiar e arrepiante atrás de si.
"Nem mais um centímetro, senhorita Croft. Não se você tiver qualquer carinho
por sua cabeça."
[ * * * ]
— VII —
Lara
congelou. Ela podia sentir a mira da arma apontada em sua direção — era
como ser observado por alguém, mas muito pior. Ela não teria chance
para pegar sua arma. Pôde apenas ficar parada e observar a grande figura
de Alvin Blackmore conforme ele emergia da escuridão para ficar de
frente a ela sobre o sarcófago da rainha de Tutancâmon.
"Parabéns,
Lara," ele disse. "Mesmo que tenha sido necessário te ajudar naqueles
últimos passos para chegar até a tumba. Ainda assim, eu não poderia te
privar do prazer da descoberta. E, honestamente, hoje em dia, estou
velho demais para tanta escavação."
"Imagino que você não tenha sofrido um ataque cardíaco," Lara disse.
"Saudável
como um touro, querida!", ele gargalhou. O eco rebateu pelas estreitas
paredes de pedra da câmara, e ele bateu sua mão carnuda em seu peitoral
largo. "Nunca estive em melhor forma. E melhor ainda, para ver você pela
última vez."
"Você não vai se dar bem, Blackmore," ela disse.
"Por
que não? É claro que vou. Você roubou o caderninho do Carter, disso
tenho certeza, e você não o teria feito se alguém soubesse que ele
existia. Então agora apenas duas pessoas sabem sobre ele. Com o Haggarty
eu estava disposto a me arriscar, pois imaginei que você acabaria com
ele e fico grato que você não me decepcionou. Mas, sério, quando eu vi o
que estava em jogo, não poderia deixar você andando por aí e fazendo um
tumulto sobre isso."
"Então por que não me matou imediatamente? Por que me trazer até aqui e deixar eu encontrar a tumba?"
"Como
eu disse, eu queria que você se divertisse um pouco antes de partir,
Lara. Seria cruel de qualquer outra forma, não acha? Mas eu não
assassinaria a bem conectada Lara Croft a sangue frio em Londres. Seria
uma morte improvável para você. Agora, se Lara Croft morresse no colapso
de uma das últimas tumbas ocultas do Egito... Sim, isso faria sentido e
ninguém pensaria em fazer qualquer tipo de pergunta embaraçosa."
"É, acho que não," Lara admitiu.
"É
uma pena, na real. Eu gosto de você. Te admiro. Você é esperta, embora
um pouco ingênua. Eu acho que você não seria capaz de resistir às
promessas de Anquesenamom, o tipo de coisa que faria qualquer pessoa
jogar todas suas preocupações para o ar, não é?"
"Pelo que parece," Lara disse. "Então você acredita nisso, na promessa de vida eterna?"
"Bem,"
Blackmore disse, "não há mal em tentar, há? E mesmo que seja tudo
bobagem, você viu os tesouros. Eu nunca acreditei na triste filosofia de
que dinheiro e fama não são capazes de comprar a felicidade. Eu sempre
percebi que, pelo menos no caso do dinheiro, é exatamente o oposto que é
verdade."
"Sua irmã te conhece melhor do que você imagina, sabe. Ela disse que nada jamais seria o suficiente para você."
"Cornelia?
Você falou com a Cornelia? Querida Cornelia, como ela está? Eu pediria
para você mandar saudações minhas, mas agora é tarde demais." Blackmore
sorriu e, mantendo a arma apontada para Lara, estendeu-se para pegar a
joia engastada no sarcófago. A sua voz estava trêmula com animação
enquanto ele recitava a última página da caderneta em sua posse. "Quem quer que clame a joia do peito da viúva descobrirá que Rá nunca se põe para ele ou para sua geração," ele entoou. "A vida eterna dele será, assim como o Nilo cresce e flui eternamente em seu banco majestoso." E ele envolveu os dedos ao redor da esmeralda e a removeu de seu lugar.
Instantaneamente,
ela brilhou com uma luz branca tão clara que Lara sequer conseguia ver
os ossos da mão de Blackmore. O rosto dele resplandeceu, iluminado e
sombreado pela luz não natural. Lara começou a tremer, mas se manteve
estoica, e quando falou sua voz estava quase tão firme quanto ela
desejara. "Você nunca viu a última página, não é, Blackmore?"
"O quê?" Os olhos dele estavam em chamas, ele parecia tomado por algo inumano e terrível.
"Quem
quer que clame a joia do peito da viúva descobrirá que Rá nunca se põe
para ele ou sua geração. A vida eterna dele será, assim como o Nilo
cresce e flui eternamente em seu banco majestoso. Se ele for digno, essa
recompensa virá; se a alma dele pesar na balança, a retribuição dos
deuses certamente chegará."
Mais
tarde, quando Lara tentasse explicar o que aconteceu a seguir, ela
descobriria que sua facilidade com palavras a deixaria na mão. Tentando
exemplificar, era como se escrevesse repetidas vezes a mesma coisa, e
então amassasse cada nova tentativa para jogar no lixo.
As
imagens saíram das paredes. Elas tinham se desprendido sozinhas e
corrido até eles. Não da mesma forma que ela tinha imaginado a estátua
de Anúbis se movimentando anteriormente, mas correndo com seus braços
estirados e olhos negros ardentes, suas formas planas transformadas em
carne.
Hórus,
com sua cabeça de águia, apenas um olho, justo e terrível. Osíris, com
as coroas do Alto e Baixo Egito sobre sua cabeça, condenado como um deus
para governar os mortos. Sua esposa-irmã Ísis, com seu rosto forte
realçado pela dor da perda. E, atrás de todos eles, uma figura tão
terrível que Lara sentiu o ar ser arrancado de seus pulmões simplesmente
ao olhar para ela.
Homem
ou besta, era impossível de se dizer. A cabeça era de um animal saído
de um pesadelo, com grandes presas, olhos impetuosos, lodo e mau hálito;
o fedor da morte. Parecia que essa figura que estava no comando
enquanto as demais criaturas se viraram contra Blackmore e o dilaceraram
em inúmeros pedaços. O cheiro de carne humana queimada dominou o ar
seco da tumba.
Lara
teria dificuldades em decidir se incluiria o próximo detalhe em sua
história: ela desmaiou. O que ela lembra eram as sombras se
transformando em uma teia de aranha, um ninho que a encasulou e a
carregou para fora da tumba, deixando-a jogada no deserto. Quando ela
abriu os olhos, ela viu — ou sonhou? — com a cabeça bestial de Seth
pairando sobre si com um aviso antes de sumir em forma de névoa. A morte surge em asas para aquele que entra na tumba de um faraó.
Sua
cabeça estava apoiada na areia quente. Lara sentou-se. Sua costela
estava doendo mais do que nunca, mas ela era capaz de tolerar. Na
distância, ela avistou uma névoa de fumaça que indicava a posição da
cidade. Ela se virou e começou a caminhar naquela direção. Bem, ela
certamente teria algo para contar para Jeremy quando o encontrasse no
lugar onde suas pistas a levariam. Ela pensou se ele algum dia ele
tentaria enganá-la, mas talvez não fosse essa a questão. Ela apressou o
passo sob o calor do deserto. Ela realmente estava ansiosa para
encontrá-lo.
[ * * * ]
— Apêndice —
Notas do tradutor
Notas do tradutor
1. Uma referência a Robert Falcon Scott,
oficial da marinha britânica que liderou duas expedições para a
Antártida e faleceu, ao lado de sua tripulação, na segunda. É uma figura
controversa na história britânica, mas acredito que o pressuposto
desdém de Lara para cogitar esse nome para seu livro seja por conta da
sua própria expedição no continente gelado em Adventures of Lara Croft.
2.
Analisando a história como um todo, esse personagem é completamente
dispensável — e um "padrinho" nunca foi citado em qualquer biografia de
Lara. Suspeito que seja apenas uma referência ao fundador da Core
Design, Jeremy Heath-Smith.
3. Tesouros do Museu do Cairo é um livro publicado em 1970, conforme listagem na Amazon. Também está disponível para aluguel no portal archive.org.
4. Howard Carter
foi o arqueólogo inglês creditado pela descoberta da Tumba de
Tutancâmon, em uma série de expedições financiadas pelo aristocrata Lorde Carnarvon.
A título de curiosidade, quando Carter mandou a mensagem pedindo para
que seu patrono partisse para o Egito para a abertura da tumba, tinha
visto o tesouro por um furo na parede, e simplesmente escreveu: "Coisas
maravilhosas." — a mesma mensagem críptica que Lara recebeu por fax neste
conto. Carnarvon morreu cinco meses depois, alimentando o mito da maldição dos faraós.
5. Xenofonte de Atenas foi um filósofo da Grécia antiga.
6. Os Mármores de Elgin correspondem a uma enorme coleção de esculturas
removidas do Partenon e arredores, na Acrópole de Atenas, e levadas
para o Museu Britânico numa alegada tentativa de proteger o patrimônio
da invasão turca. Até hoje o governo grego tenta, sem sucesso, repatriar
seus artefatos.
7. Anquesenamom
foi filha do faraó Aquenáton e da rainha Nefertiti, e vítima do
patriarcado. Quando criança, supostamente casou-se com seu pai após a
morte da rainha, e, quando o faraó morreu, casou-se com o meio-irmão que
ascendeu ao trono, Tutancâmon. Nove anos mais tarde, quando ela tinha
cerca de 21 anos, o garoto-rei faleceu e ela então tornou-se esposa do
sacerdote Aí, antes de desaparecer dos registros conhecidos. Sua tumba
nunca foi encontrada. Na tumba de Tutancâmon foram encontrados dois
fetos mumificados — acredita-se que sejam filhos dela pois não existem
registros de outras esposas para o garoto —, e um trono dourado adornado com uma imagem do garoto-rei ao lado de sua esposa.
8. Parte de uma estela
encontrada no Egito com inscrições em três idiomas distintos.
Historiadores deduziram que tratava-se de uma única mensagem e foi a
partir do estudo da pedra que os misteriosos hieróglifos egípcios foram
decifrados.
9. Essa é uma citação direta de um dos Textos das Pirâmides, entalhados no interior da Pirâmide de Saqqara. Posteriormente surgiram os Textos dos Sarcófagos e, por fim, o Livro dos Mortos.
No caso em questão, a autora do conto citou o encantamento 254 (versos
281a e 281b), mas a tradução para o inglês pode não ser tão fácil quanto
imaginado. No conto original, o texto diz "Fear and tremble, you
violent ones who are in the storm clouds of the sky. He split open the
earth by means of what he knew on the day when he wished to come there."
(algo como "Temam e tremam, ó violentos que estão nas nuvens
tempestuosas do céu. Ele
partiu a terra pelo que sabia no dia em que desejou chegar lá.").
Entretanto, de acordo com o site Sacred Text Archive,
o encantamento diz "O, be afraid, tremble, ye criminals, before the
tempest of heaven; he opened the earth with that which he knew, on the
day he loved to come." (algo como "Ó, temam, tremam, seus criminosos,
perante a tempestade do céu; ele abriu a terra com aquilo que sabia, no
dia em que ele gostaria de ter vindo."). Por se tratar de um texto
religioso, a interpretação acaba sendo reflexiva e pessoal, mas diz
respeito à chegada do falecido ao céu. Admito que até comprei uma edição do Livro dos Mortos
do egiptólogo Ernest Wallis Budge mas, para minha decepção, nada
parecido com essa frase está presente no livro, feito a partir dos
pergaminhos do escriba Ani,
então não tenho uma tradução mais adequada para oferecer como
referência aqui. Ainda assim estou feliz, pois a extensiva pesquisa que
fiz, com o único propósito de buscar uma tradução adequada para esse
conto, me deu um entendimento e apreciação maior da cultura do Antigo Egito.
[ * * * ]
Texto original de Erica Wagner, traduzido por @thetreeble para o blog
Raider Daze e compartilhado sem fins lucrativos e sem intenção de violação
de quaisquer direitos. Publicado originalmente no jornal britânico The
Times em 1999.