"O livre arbítrio é uma ilusão."
Com o recente lançamento de
Legacy of Kain: Soul Reaver 1 & 2 Remastered, eu finalmente tive a oportunidade que esperava, desde que
Legend foi anunciado, para conferir a famigerada franquia que
consolidou a Crystal Dynamics. A franquia esteve dormente desde 2003, com uma
tentativa falha de um
spin-off multiplayer
durante a tutela da Square Enix, mas acredito que estejamos testemunhando um novo
renascer da saga vampírica que manteve status de cult e uma
comunidade fiel ao longo de todos esses anos.
A saga principal é composta por cinco jogos diferentes e possui uma linha
temporal complexa (leia uma breve apresentação no blog
The Reaver), cobrindo dois personagens diferentes em épocas temporais distintas; os
dois jogos incluídos nesse pacote são protagonizados por Raziel. O primeiro
Soul Reaver foi lançado em 1999, no auge do PlayStation
original, e recebeu excelentes avaliações da crítica especializada. A
sequência foi um título de PS2, lançada em 2001.
O jogo começa com Kain, que conquistou toda Nosgoth com a ajuda de seus
generais vampiros, condenando Raziel ao abismo por apresentar uma evolução acelerada de
seus dons sombrios. Após milênios de tormento, Raziel é ressuscitado por uma
entidade ancestral para se tornar um devorador de almas, recebendo uma chance
para se redimir ou se vingar. Sob sua nova forma espectral, Raziel confronta e
elimina todos os generais de Kain que haviam o traído em um mundo em ruínas. Ele está equipado com
um vínculo simbiótico-espectral com a alma da espada Soul Reaver, que de
início permanecia sob posse de seu antigo mestre.
De forma grotesca, o roteiro tem algumas similaridades a Legend, que a Crystal
Dynamics viria a desenvolver anos mais tarde — não apenas a espada é constantemente
referenciada como uma chave (e, pasme, em dado momento ela surge fragmentada e
é reforjada), mas a grande reviravolta acontece no final, quando Raziel
descobre uma câmara repleta de portais temporais sob domínio de Kain, e o
final surge abruptamente assim que ambos atravessam um desses portais.
A continuação retoma a história desse ponto exato, mas agora, Raziel continua
sua implacável caçada a Kain através de diferentes épocas. Nunca foi um agente
da própria vontade, era apenas uma marionete da história que a roda do destino
havia decidido para ele. Nessa jornada estendida, ele aprende que Kain havia
voltado no passado para assassinar o portador original da Soul Reaver, que a
lenda dizia ser possuída e com uma incessante fome por almas, e percebe que a
espada passa a se manifestar cada vez mais como uma entidade própria.
Encontrando-se com outros personagens que também estão sendo manipulados por
uma entidade ainda não revelada com um plano maior, Raziel começa a entender que Kain estava,
desde o início, tentando romper um ciclo temporal que estava repetindo-se
infinitamente, tentando evitar o destino fatal que ele viria a encontrar
quando confrontasse o próprio passado.
Agora que a história está grosseiramente resumida, vou transcrever outros
pensamentos que tive durante minhas sessões. É fácil perceber como a engine
usada aqui é a mesma dos Gex em 3D e de demais jogos desenvolvidos pela
Crystal até 2020. O jogo faz streaming das áreas, portanto não existem
loadings pois os mesmos ficam escondidos em corredores monótonos em formato de
zigue-zague. Os jogos possuem uma estrutura de mundo aberto, que você pode
explorar progressivamente conforme adquire novas habilidades. Sua rota avante nem sempre é
clara e existe um constante vaivém que, devo dizer, torna-se maçante.
No que diz respeito à jogabilidade, o jogo envelheceu mal. I-III Remastered
também é prova disso, quem gosta e está acostumado com aquelas mecânicas e
controles não tem uma única reclamação, mas um primeiro contato nos dias
atuais não faz favor nenhum aos jogos. É exatamente o meu caso com Soul
Reaver, tentando me adaptar ao aprendizado do que era aceitável 25 anos
atrás.
O combate em particular é horrível. O alcance das armas é bem curto, as
animações são lentas e eu me vi errando a maior parte dos meus ataques, e fui incapaz de dominar o sistema de esquiva. Felizmente, isso não me impediu de terminar os
jogos. E de forma similar, certas
sequências de plataforma são um verdadeiro pesadelo, reminiscentes de
The Breath of Hades em Angel of Darkness. Nadar, então... (e isso não impediu eles de colocarem um labirinto subaquático
que você precisa atravessar repetidamente em Soul Reaver 2!).
A principal característica dos dois jogos, porém, é a possibilidade de alternar
entre os reinos material e espectral. Enquanto espectro, Raziel pode tornar-se
momentaneamente intangível para atravessar certas barreiras, e a distorção
entre os reinos frequentemente revela caminhos diferentes. O primeiro jogo
ainda conta com portais de fast travel que me pegaram de surpresa devido à
forma como funcionam, considerando que é um jogo de 1999.
Houve uma mudança brusca de gênero entre Blood Omen (de 1996) e Soul Reaver, passando de
um RPG isométrico para um jogo de ação em terceira pessoa — as revistas da
época até mesmo delineavam similaridades ao então estrondoso Tomb Raider, e devo dizer que os
puzzles envolvendo blocos cúbicos realmente justificam tais comparações.
Raziel pode girar e empilhar os blocos maciços, o que abre um leque maior de
variedade além de simplesmente mover de um ponto para outro.
No primeiro jogo, Raziel adquire habilidades extras conforme elimina os
generais vampiros. Na capacidade de chefes, são mais do que apenas inimigos
com mais vida e normalmente são eliminados com uma estratégia diferenciada ao
invés (confesso que precisei consultar um detonado em todas ocasiões). Tal
qual Underworld, o segundo jogo eliminou completamente o conceito de chefes, colocando as
melhorias elementais para a espada espectral como recompensas
de quatro dungeons tematizadas. Quatro tumbas com puzzles mais elaborados, se
assim preferir.
Outro ponto que considerei ruim, mas que talvez seja condizente com a época em
que os jogos foram lançados, é o sistema de save. No primeiro jogo, você salva
seu progresso a qualquer momento, mas sempre que carregar uma partida se
encontrará de volta no abismo, no início do jogo — existe um portal de fast
travel para remediar isso, felizmente. No segundo jogo, você só pode salvar o
jogo em altares específicos, e achei alguns deles muito distantes um do outro:
em duas ocasiões perdi um tempo significativo de jogo por problemas técnicos
(um travamento, e em dado momento caí dentro do cenário da segunda
dungeon).
Por fim, sobre a remasterização em si. Apesar de seguir o mesmo princípio que
I-III Remastered, é aplicado em escala bem menor. Excetuando-se os modelos de
personagens e demais entidades, parece que a melhoria se dá apenas sob a forma
de texturas de alta definição. A geometria é mantida poligonal e lisa como
antigamente, sem detalhes novos como vegetação para acobertar a
simplicidade de outrora. O segundo jogo me deixa preocupado, pois é um jogo de PS2 e na
maior parte do tempo permanece exatamente igual — o mesmo pode ser dito sobre
o pouco que vimos de AOD em IV-VI Remastered.
Por outro lado, essa coletânea inclui uma bacana galeria de extras que nós não recebemos, incluindo
artes, tanto oficiais como de fãs; transcrições completas dos roteiros;
trilhas sonoras; trailers e vídeos de bastidores; e até mesmo versões
"jogáveis" de níveis removidos e que não foram completamente desenvolvidos
para o jogo original. Esse tipo de conteúdo sempre agrada os fãs.
Com a promessa parcialmente cumprida, algum dia pretendo conferir os demais jogos da saga.