sexta-feira, 12 de setembro de 2014

The Bit Girl: artigo da The Face traduzido

Um dos factoides mais recorrentes sobre Lara Croft é que ela estampou a capa de uma edição da publicação inglesa The Face, que sempre trouxe em suas capas celebridades da moda e música. Alguns dias atrás, o site Captain Alban digitalizou o artigo. Apesar de obsoleto, é interessante voltar tantos anos e ver como o público geral encarava a indústria de jogos.

Eu decidi fazer uma tradução livre do artigo, adaptando algumas coisas para facilitar a leitura em nosso idioma. Caso você entenda inglês, não perca seu tempo e vá direto a matéria original. Existe uma abordagem notavelmente sexista no artigo, mas como um todo vale a pena conferir.

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The Bit Girl
Texto de Miranda Sawyer, originalmente publicado na The Face de junho de 1997

Ela corre como uma garota. Ela briga como uma garota. Ela rende milhões para a Sony porque ela é a Garota Encarnada. Ela é Lara Croft, fantasia para milhões e a estrela de Tomb Raider no PlayStation. Mas será que ela é uma heroína do movimento Girl Power ou uma mera fantasia para meninos? Será que seus bytes são mais perigosos que as pessoas imaginam? Nunca subestime o poder de Lara...
O que uma garota deve fazer? Lara Croft é uma garota chique com um problema. Ela está presa numa montanha, sem um mapa, dentro de um sistema de túneis do tipo que agrada a minotauros e que deixaria Indiana Jones perplexo. Mas com suas origens de It Girl, pistolas, shorts e habilidades ginásticas (sem mencionar seus peitos), Lara tem os métodos para fugir antes que seja tarde demais. Para chegar até a saída, porém, ela deve antes enfrentar lobos, dinossauros, ursos, morcegos, crocodilos e homens portando armas automáticas; além de nadar por cavernas subaquáticas e, ainda assim, sair linda. Ah, ela tem que aproveitar que está lá para coletar alguns artefatos artigos também. Pronto, eis um jogo de computador.

Uma vez que ela tenha saído (e isso vai te tomar entre três e quatro semanas, com jogatinas diárias de quatro horas, para atravessar os 16 níveis de Tomb Raider e libertar a sempre irritante Lara; e isso com um guia de estratégia), a Srta Croft tem o bastante para se manter ocupada. Para começar, ela está agendada como convidada em vídeo da turnê Popmart do U2. Seu papel? Aparecer no telão de fundo com suas armas, como uma Spice Girl com um desvio de humor, disparando suas Uzis na população enquanto o U2 surge de forma bombástica. Não é um papel grande ‒ ela está espremida em algum lugar entre personagens de Keith Harring e os Lichtensteins ‒ mas o pessoal de Lara parece bastante animado.

Lara também tem que arranjar tempo para treinar sua contraparte humana em moda, sotaque, vida passada e porte de armas: uma atriz chamada Rhona Mitra vai cuidar dos aspectos mundanos da existência de Lara, como participar de feiras de tecnologia, inaugurar lojas de videogame e gravar um single, ao lado de Dave Stewart, a ser lançado em setembro. Nesse exato momento, Dave está na Amazônia, em busca da vibração perfeita de uma floresta. Existem conversas de um filme para a Lara humana; e a Lara virtual já está escalada para Tomb Raider II, que vai estar disponível para o público esbanjador a tempo do natal. Algo mais? Bem, simplesmente pesquise "Lara Croft" na internet e confira os 35.000 registros: "Lara é demais!", "Lara aparece na Economist!", olhe! Lara nua. Lara é uma garota muito, muito ocupada. Sorte sua que, na vida virtual, o tempo real é um construto elástico.
Você pode não ter percebido, mas uma guerra está acontecendo. E ela está sendo lutada pelo dinheiro no seu bolso. Lara e seu jogo Tomb Raider, junto a outros clássicos instantâneos do PSX como Tekken, Wipeout e Formula One, estão liderando o ataque revolucionário da Sony contra a velha guarda Sega e Nintendo, em uma batalha pelo dinheiro do fim de semana. No momento, Lara e companhia estão vencendo, e, dessa forma, salvando uma das maiores e mais poderosas corporações do planeta.

Antes de lançar o PSX em setembro de 1995, a Sony estava cambaleando. Suas duas principais fontes de renda ‒ música popular e filmes ‒ estavam dando resultados fracos: o lado dos filmes, em particular, rendia alguns milhares contra os milhões investidos. Hoje, você pode ouvir o presidente da Sony Japão, Noboyuki Idei, tagarelando sobre "crianças de sonhos digitais" como um Timothy Leary dos pixels. Isso porque foram as interações digitais que salvaram sua companhia, trazendo-lhe o lucro que ela precisava desesperadamente. A Sony entrou no mundo virtual e ganhou na loteria: somente no Reino Unido, 880.000 consoles PSX foram vendidos, custando entre £130 e £300 cada; mais de cinco milhões de cópias de Tekken foram vendidas ao redor do mundo; e Tomb Raider conseguiu 400.000 vendas britânicas no PSX a £45 cada. As crianças sonhadoras entregaram à Sony seus cofres de porquinho.

Para entender como isso aconteceu, você precisa saber duas coisas. Primeiro: nos últimos anos, a tecnologia de desenvolvimento de jogos deu saltos gigantescos em sofisticação e capacidade. Segundo: as duas últimas "invenções" da Sony foram as risíveis fitas BetaMax e o MiniDisc.

Os formatos em si eram bons, mas ambos falharam no quesito software. Não existia uma quantidade suficiente de filmes bons em BetaMax; e o MiniDisc não oferecia as músicas que você realmente queria. Formatos rivais, com uma variedade gigante de filmes de qualidade e os LPs simplesmente roubaram o mercado bem de baixo do nariz da Sony. Quando a empresa decidiu entrar no futuro cibernético, eles sabiam que um equipamento não seria o bastante: precisaria estar acompanhado de jogos. Muitos, muitos jogos.

Com a nova tecnologia, jogos podiam ser construídos. É impressionante, mas apenas nos últimos dois anos o poder de processamento se tornou avançado o suficiente para lidar com os milhares de gráficos poligonais necessários para movimentar um personagem em um ambiente tridimensional. Após mais de uma década de gráficos desengonçados e personagens 2D, finalmente existe equipamento e talento para desenvolver os tipos de jogos que são prometidos há anos.

A Sony investiu pesado: US$500 milhões em desenvolvimento de software, US$500 milhões em hardware. Com tanto dinheiro investido, não existe margem para erros. Com os lança-mísseis virtuais disparados, a Sony atacou com todas suas forças em escala global. Esmagou o Sega Saturn e deixou a Nintendo perplexa, que não esperava tamanha força de uma empresa que nunca esteve na disputa. O Nintendo 64, na verdade um hardware mais poderoso e tecnicamente superior aos 32-bits do PSX, com um potencial ainda maior para destruir retinas, teve um atraso forçado de 12 meses por causa do sucesso do PSX. O N64 saiu na Inglaterra em março deste ano ‒ mas, fatalmente, com apenas três jogos.

Admitidamente, um deles é o Super Mario 64, a autoridade de bigode, mas isso dificilmente compensa quando você pode adquirir mais de 200 jogos para o PSX. O fato é que a Nintendo não se importa. Ela está muito mais preocupada com o mercado japonês, e se o N64 perder na Europa, a Nintendo não vai se esforçar para nos agradar. Mesmo assim, a Sony baixou o preço do PSX para £130 quando o N64 foi lançado, para se assegurar de ter você como cliente. Lembre-se, eles estão atrás de você. Mesmo que você não perceba, você é uma das crianças digitais, um ingênuo para todo tipo de tecnologia nova. Você lê a The Face, não? Então, é você que eles querem.
Durante treze anos ‒ após Pacman, antes do PSX ‒, videogames na Inglaterra eram vendidos para meninos entre 12 e 13 anos. Um mercado dedicado, mas severamente desvalorizado. Os meninos ganhavam dois jogos por ano: um no natal e um em seu aniversário. Francamente, eles e seus pais não estavam gastando o bastante.

Com o PSX, a Sony tomou uma decisão consciente de perseguir o mercado dos 16 aos 24 anos. Rapazes velhos o bastante para ganhar dinheiro, mas ainda jovens para gastá-lo em diversão. A Sony precisava que os jogos perdessem sua reputação de nerd: assim que parecessem levemente descolados, a Sony esperava que todos os ex-viciados em Space Invaders, agora com vinte e poucos anos, retornariam para os controles. Da mesma forma, se jovens vissem jogadores mais velhos, aspirariam poder jogar aqueles jogos também.

Então, no verão de 1995, a Sony tomou sua iniciativa. Todos eventos tinham um estande da Sony com PSX para teste, para mostrar o que você poderia aguardar do console. Salas de descanso com PSX surgiram nos maiores clubes do país. Os consoles subitamente apareceram em bares, lojas de discos, lancherias, em qualquer lugar que você estivesse. Turnês de música dance eram patrocinadas pelo PSX, com gráficos de fundo para noites inteiras e para uso dos VJs.

A outra conduta da Sony era usar "formadores de opinião." Celebridades e jogadores de futebol, em sua maior parte. A Sony também assinou um contrato com a Tour Elite, uma empresa de ônibus que atende a bandas e DJs como Prodigy, Blur e Paul Oakenfold. A empresa colocou um PSX em cada ônibus. Em março, após David James, goleiro do Liverpool, tomar três gols do Newcastle, ele atribuiu seu (então) único mal desempenho ao seu vício por Tekken e Tomb Raider. Pobre David; ele simplesmente não conseguia mais se concentrar no mundo real.
Venha para o mundo de Lara você também. Tentador e irreal, quase sem fim, gira em torno de uma série de tumbas subterrâneas, mergulhos de cachoeiras, cutucões em esfinges, e completo, até com efeitos sonoros da pressão subaquática. Ela tem um lugar adorável aqui ‒ mas veja, ela é uma garota adorável.

A história da adorável Lara pode ser encontrada no panfleto introdutório de Tomb Raider. Ela tem 29 anos ‒ seu aniversário é em 14 de fevereiro ‒, filha do Lord Henshingly Croft (sua mãe não é nomeada ou retratada, então nunca descobrimos se os principais atributos de Lara são genéticos ou aumentados). Lara nasceu e cresceu de forma tão chique quanto possível: foi para um internato e estava pronta para casar bem, quando o avião que a levava de volta para casa após um feriado esquiando caiu no Himalaia. Lara foi a única sobrevivente. A partir dali, ela passou a viajar o mundo sozinha, estudando civilizações antigas e escrevendo sobre suas descobertas. Sua família a deserdou, mas ela certamente não é pobre: quando você inicia o jogo pela primeira vez, ela demonstra suas habilidades acrobáticas nos diversos salões de festas de sua mansão.

Lara Croft é o fruto dos sonhos de Toby Gard, um artista gráfico que uma vez trabalhou para a Core Design, empresa no condado de Derby. Toby é uma espécie de lenda dos videogames: um jogador que se distanciou da fortuna e, aparentemente, desapareceu. Agora com 24 anos, ele tinha apenas 21 quando Lara desfilou em sua imaginação, e foi o único modelador da presença dinâmica da Srta Croft. Ela é a fantasia de Toby. E, mesmo assim, Toby saiu da Core em março, apenas dois ou três meses após o lançamento de Tomb Raider.

Agora a empresa insiste que não faz ideia de onde ele está. Não, ele não vai trabalhar em Tomb Raider II. Não, eles não sabem o que ele está fazendo atualmente. Não, eles não têm o endereço dele.

Mas nós temos. Toby pode não sair muito, mas ele tem um email. É claro, ele não costuma responder, mas ele pode abrir exceções se gostar de você. O Sr Elusivo diz que deixou a Core após faturar £50 mil em royalties em apenas dois meses. Hoje, já que não detém os direitos autorais, Lara não lhe rende absolutamente nada. É claro que Toby teria recebido ainda mais, caso tivesse permanecido na Core, mas ele quis iniciar sua própria empresa de videogames ao invés.

Voltando à Core Design. Toby não foi o único designer de Tomb Raider; a Core empregou um time de seis pessoas durante dois anos para desenvolver o jogo. Adrian Smith, diretor de desenvolvimento de produto da Core, explica que Tomb Raider nunca foi projetado para vender com base no charme de Lara: a Core acreditava que seus pontos de venda seriam o aspecto cinematográfico (queriam que parecesse como se você estivesse em um filme), e o fato que você podia ver o personagem (seja lá como ele fosse). Normalmente, em jogos deste tipo, o jogador é o personagem: a tela mostra seu ponto de vista, para onde você deve ir e que inimigos estão em seu caminho. Mas a Core queria uma pessoa visível, e logo ela se tornou uma mulher.

"Não era um jogo de tiro," diz Adrian, "e nós queríamos que o personagem fosse modesto, discreto, ágil. Fazia mais sentido ser uma mulher."

Então Toby começou a desenhar sua garota perfeita, e assim Lara nasceu. Por muito tempo, ela se chamou Laura Cruise, mas sabendo que Tomb Raider também tinha que apelar ao mercado americano, Laura virou Lara. O nome ficou mais americano, enquanto o personagem ficou mais britânico (Adrian: "americanos adoram o sotaque inglês de alta classe"), então seu sobrenome foi alterado para Croft, para encaixar com esse novo pano de fundo. Afinal, somente alguém com tanto dinheiro poderia tirar semanas de folga do trabalho para passear em sítios arqueológicos em shorts curtinhos.

Existem aqueles que consideram os shorts a resposta para tudo. Como o jogo é centrado em Lara e você vê as coisas a partir de sua perspectiva, você é constantemente deparado com seu traseiro perfeito enquanto ela corre para longe de você, com pistolas em mãos. Você raramente vê o rosto dela. Ocasionalmente, o ângulo da câmera mostra rapidamente seus olhos castanhos inclinados e lábios voluptuosos, mas, de outra forma, Lara está sempre na sua frente, fora de seu alcance, como a garota perfeita que passa na rua e você não consegue enxergar o rosto, que não te vê e que você sabe que nunca mais vai voltar a vê-la.

Minha Garota
Toby Gard, o Dr Frankenstein digital que deu vida à Lara, fala sobre a garota que criou

A Lara mudou muito (seja fisicamente ou em personalidade) desde sua ideia original?
Bem, ela passou por um período em que vestia roupas militares, mas parecia muito nazista. Por um tempo ela parecia-se com a Neneh Cherry, usando calças largas e tops curtos, mas não demorou até que ela encontrou seus shorts e collant verde e seguimos em frente!

Ela é inspirada em alguém que você conhece?
Não. Não é sempre que você encontra psicopatas armados num bar.

Porquê os peitos implausíveis, então?
Deslize do mouse. Eu queria aumentá-los em 50% e então ‒ opa, 150%. Maldição.

Eles ficaram maiores quando o marketing se envolveu?
Na verdade, não. Eles estavam focados em coisas maiores. Os caras do marketing só viram os peitos como um caminho fácil para a campanha. Acho que devem ter pensado "como vamos vender isso? Nossa, olha para os peitos enormes dela! Eu tenho um plano." Rapazes espertos.

Sua namorada se incomodou com você passar tanto tempo com outra mulher?
Se você quer uma namorada, evite trabalhar com videogames como se fosse uma praga. Se você trabalha 7 dias por semana, 15 horas por dia, durante quase dois anos, quase não sobra tempo para uma cerveja, e você não tem tempo algum para um relacionamento. E criadores de videogames são considerados tão legais e descolados quanto funcionários de matadouros.

O que você pensa sobre a Lara "real" ser usada na promoção? Você vai comprar o single dela?
Eu acho que é estranho quando você desenha um personagem e então encontra alguém sendo pago para se vestir e fingir ser ela. Muito estranho. Até onde eu sei, o single não vai mais ser feito. Mas se sair, sim, eu vou comprar. Eu gosto de uma risada.

A Lara é um ícone feminista ou uma fantasia sexista?
Nenhum e um pouco de ambos. Lara foi desenhada para ser uma mulher durona, independente e inteligente. Ela mistura todos os clichês sexistas, exceto o fato que ela tem uma silhueta inacreditável. Mulheres independentes são as garotas perfeitas da fantasia ‒ o intocável é sempre mais desejável.

Daria certo se ela não fosse uma garota chique?
Eu não consigo imaginá-la em uma casa de conselho usando saltos brancos com o cabelo tingido de loiro falso. Ela foi feita tão quintessencialmente britânica quanto possível. É geralmente entendido que a menos que você tenha um herói americano, você não vai vender bem na América. Eu pensei que ao reverter deliberadamente muitas das regras, ou seja, uma mulher (forte, nada de mal gosto), britânica ao invés de americana, com vilões americanos ao invés de britânicos, estaríamos fazendo algo incomum e novo.

O que é mais importante: o personagem ou o jogo?
O jogo é sempre o mais importante: como ele funciona, a interface, o conteúdo. Um personagem bom é útil para dar vida à coisa.

Você ainda está apaixonado por Lara ou está cansado de vê-la?
Nenhum dos dois. É bom ver que o personagem ainda está por aí, é bastante satifatório na verdade. Mas eu não acho que seria normal alguém se apaixonar por algo que criou, seria algo muito Noiva de Frankenstein para mim.

Stuart Campbell, da revista Edge, reconhece que a "popularidade de Lara pode ser reduzida a duas palavras. E a segunda delas é peitos." É estranho ver homens maliciando uma imagem de computador, mas eles o fazem mesmo assim. Até Adrian admite que alguns jogadores colocam Lara num canto do cenário para que a câmera gire e mostre seu notável dote. Dificilmente algo original, em nossos dias de bustos abundentes, especialmente quando 90% dos jogadores são homens ‒ mas Adrian insiste que, durante a concepção, um personagem feminino ia contra a maré, e era até mesmo perigoso. A Core foi alertada por territórios francoalemães que uma heroína jamais daria certo. Como que meninos nerds se identificariam com uma garota boba?

Tamsin Hughes, escritora de tecnologia e produtora do Digital Update da Radio 1, avalia Lara precisamente porque você é forçado a se identificar com ela. Ela nota que quando jogos oferecem um personagem feminino ativo (ao invés de um que precisa ser resgatado), como acontece em Street Fighter 2, Virtua Fighter ou Tekken, sempre se trata de uma escolha: você prefere ser um homem-destruidor-montanha-de-músculos ou uma garota-carateca-chuta-alto? Com Lara, essa decisão não existe.

E Tomb Raider, sendo um jogo estratégico, é reconhecido universalmente como atraente para mulheres. Cerca de 85% dos jogos são ou de carro ou de luta: garotas tendem a preferir solução de quebra-cabeças. "Não quero dizer que todos preferimos uma revista de fofocas," diz Tamsin, "mas Tomb Raider requer lógica, algo que as mulheres gostam de usar."

Homens gostam da figura de Lara; as mulheres, de sua mente. Surpresa. Mas existem sutilezas aqui. Lara também atrai mulheres por causa de seu estilo anti-absurdo: outras heroínas são construídas somente com beiços e peitos, ou vão mostrar suas calcinhas sempre que caírem ao chão. Lara, não importa o quão curvilínea, simplesmente faz as coisas. Existe um elemento de resistência nela: ela não é espalhafatosa, não rebola ou seduz; ela só trota em direção a perigos terríveis e sobrevive com o poder de seu cérebro e habilidades não exibicionistas. E ela não tira a roupa. Ou será que tira?

"Existem pessoas que dizem que se você digitar 'wannabe' no seu teclado, Lara começará a correr nua," diz Stuart. Outros insistem que se você juntar dois PSX e fazer algo malandro com os botões, Lara vai te agradar com um strip tease. Nada disso é verdade. Mas certamente existe nudez na internet: algum artista online removeu o top e shorts de Lara. Quem disse que garotos de computador não sabem como são as mulheres reais?

Tomb Raider é um jogo de alta qualidade ‒ estabeleceu recordes ao liderar as vendas britânicas três vezes seguidas, e ainda é um dos melhores jogos que você pode comprar. É claro que se o jogo fosse inútil, ninguém estaria preocupado com o charme de Lara. Mas ele não é, e aqui estamos: o marketing está se assegurando disso. Pôsteres de Lara, impulsionando busto e armas, estão aparecendo por todo o país. A Eidos Interactive, proprietária da Core Design, está convencida que Lara é um ícone genuíno, uma celebridade própria, que pode transcender o mero apelo dos jogos para um reconhecimento mundial. E está animada. "Temos o personagem," diz o responsável de marketing da Eidos. "Só precisamos dar-lhe vida."
E isso justifica a Lara "de verdade." Já existiram duas até agora: uma do condado de Berk, chamada Natalie Cook ‒ "A Croft Original," denominou o tablóide The Mirror, ao engolir o papo furado de que Lara foi modelada com base em Natalie ao invés do contrário. A pobre Natalie foi descartada sem cerimônias para a Lara número 2, quando decidiram que Lara deveria ter um inevitável single ‒ e que ela, Natalie, não sabia cantar. Agora a Eidos encontrou Rhona Mitra, que vai "trabalhar" com Dave Stewart na estréia de Lara como cantora pop.

É quando você vê uma Lara humana que percebe: se Lara fosse real, ela seria um lixo. Uma mulher de verdade em shorts de combate e botas Timberlands, balançando armas e cidades enquanto inaugura uma loja... a Lara real não parece tão legal quanto sua irmã virtual. Uma mulher real sequer conseguiria se equilibrar se tivesse o formato de Lara.

Fazer Lara real perde o sentido; na verdade, torna as coisas desconfortáveis. Quando Lara está invadindo tumbas, como um personagem de desenhos num mundo de desenhos, ela é muito mais do que um rosto bonito. Seu heroísmo atlético, suas habilidades de tiro e sua resistência para maratonas tornam ela mais do que uma simples modelo: ela é inegavelmente brilhante, um dos melhores personagens de videogames já inventados. Mas a Lara humana é só uma garota bonita maior do que as roupas que veste. Ela não pode dar cambalhotas com o toque de um botão; ela não pode matar dinossauros enquanto mergulha. A Lara humana pode, é claro, falar, mas seus empregadores somente a deixam conversar com falas de Lara, e quem procura perspicácia em personagens de videogames? A Lara do computador é uma mulher de poucas palavras. Apenas um pequeno e orgásmico "uh" quando está trabalhando duro.

Mesmo assim, é uma época de peitos, e Lara se encaixa perfeitamente, obrigado.

Até crianças de cinco anos entendem a mensagem: Girl Power. Mas a mídia debilita essa mensagem. Meninos nascem para uma cultura masculina; os homens ainda ditam a cultura, de tablóides a empresas de televisão, de revistas à programas de entrevistas. Homens editam, homens diluem, homens baixam o volume. A Geri Spice pode tentar transmitir uma mensagem, mas não conseguirá ser ouvida em meio a manchetes que anunciam outro topless. A Geri é só outra garota cujos peitos aparecem em cerimônias e premiações. E vamos encarar, Lara Croft, uma personagem fantástica e complexa, em um jogo desafiador e excelente, continua muito bem quando está parada, fora do jogo. Ela é uma modelo sexy. Pode existir quem a peite, mas ela ainda tem os seus peitos.

Mais de meio milhão de jogos de Lara foram vendidos somente na Inglaterra, em todos formatos. Aproximadamente 85% foram para homens.

"Você tem que entender," diz Stuart Campbell da Edge, "que a indústria de videogames não amadureceu ainda. Não existe uma subcultura independente: é tudo corporativo, com atitudes dominantes. Para todo esse papo de Girl Power, a Lara não é ameaça alguma. Ela foi desenhada para homens. Você controla ela. E você nunca a vê depilando as pernas."

É claro que não vê. Ela é um desenho. Lara não é real, é? Mas para Violet Berlin, editora de novas tecnologias, o problema é que Lara é real demais, perto demais de clichês confortantes. Com sua voz, movimentos e histórinha, Lara é como uma garota normal, só que melhor. Violet prefere heroínas de mangá, apesar das tendências por calcinhas, porque elas são propositalmente estilizadas e nada realísticas, "e ao menos suas roupas são boas. Lara se veste terrivelmente." O apelo de Lara, de acordo com Violet, é o mesmo de um comercial de carros dos anos 1970: uma mulher seminua sendo usada para vender o maquinário atrás dela.

A fantasia é uma coisa fantástica: o que é estranho é que, conforme a tecnologia avança, o reino do fantástico se torna cada vez mais real. Limites borram, mundos colidem, um personagem se desdobra e vira um ser humano real. Nessa idade de bytes reais e violência gerada em computador, homens reais babam sobre um desenho de alta tecnologia: a garota ideal vive num espaço virtual. A mulher das fantasias de Toby Gard existe em sua mente; então, em um sonho digital; e, então, ela caminha mundo afora e conquista uma carreira.

O mais estranho? Que tal supermodelos, a fantasia mais real que você pode ter: perfeição genuína, impecabilidade em carne e osso? A tecnologia retoca suas fotos: supermodelos são humanas lindas que têm suas fotos editadas de forma que fiquem ainda mais bonitas.

Mas, como Violet ressalta, a tecnologia pode fazer pessoas reais ficarem mais bonitas também. O seu real pode virar uma fantasia real, enquanto você é rebocado para ficar com a mesma forma que as heroínas de computador. Podemos reconstuir você, temos a tecnologia para isso e figuras de fantasia são coisas do passado. Algum dia desses, Lara Croft realmente vai existir. Mas quem vai tê-la criado, exatamente?